Tendo em conta o sucesso que alcançou no FC Porto e os prémios individuais de melhor guarda-redes que foi acumulando, parecem demasiado curtas as 55 internacionalizações A de Hugo Laurentino.

A partir de determinada altura, a cada nova convocatória, a ausência do guarda-redes do FC Porto era notada.

Agora, com o capítulo de jogador arrumado, esse foi um dos temas que Laurentino abordou na conversa com o Maisfutebol

E foi o assunto que, claramente, o deixou mais desconfortável, durante as quase duas horas de entrevista.

Laurentino assume ter ficado «com muita mágoa em relação à seleção», mas não deixou de enaltecer o excelente momento que o andebol português vive.

MF: A carreira na seleção A fica como o ponto menos feliz num percurso de tanto sucesso?

HL: Muita gente pergunta sobre esse tema da seleção A. É uma questão um pouco delicada de se falar. Mas deixem-me começar por dizer que não se trata de tirar mérito ao Hugo Figueira. Pelo contrário, o Hugo é um excelente guarda-redes. Mas eu senti-me sempre um pouco injustiçado. Porque eu era o melhor guarda-redes do campeonato, estava sempre milhas à frente nas estatísticas, era o guarda-redes da equipa campeã nacional… Mas chegava à seleção e nunca jogava. Só entrava quando estávamos a perder, ou contra uma seleção fácil.

MF: Sentia-se desvalorizado?

HL: Achava que não era tratado de uma forma justa. Quando [em 2012] muda o selecionador [Rolando Freitas substitui Mats Olsson], continuei eu e Figueira nos convocados. E há um jogo de apuramento em Espinho, contra a Macedónia. Eu joguei só a segunda parte, fiz um grande jogo, dos melhores que fiz na seleção A, e ganhámos a uma seleção que nunca tínhamos vencido. No jogo seguinte, vamos fora e eu não jogo. Fiquei 60 minutos sentado no banco. E isso… Tu sentes que és o melhor, provas isso, e não jogas…

MF: O que traz o sentimento de injustiça…

HL: Começas a sentir-te mal. Parece que estava ali só por favor. E não tinham coragem de me falar de frente. Mas passou. Na época seguinte, o Figueira não fica no Sporting, vem para o ISMAI e continuamos os dois na convocatória. O primeiro jogo de qualificação [para o Mundial 2015] foi com a Letónia, na Nazaré. Fui eu o titular, jogando o Figueira na segunda parte, e perdemos o jogo. Uns dias depois vamos à Bósnia, perdemos também e eu só joguei os últimos minutos, quando já estávamos a perder por muitos. E na convocatória seguinte não fui chamado.

MF: Estranhou a opção?

HL: Eu não tenho de interferir em convocatórias. Mas acho que todos podemos ter um jogo mau. E criticarem-me após um jogo a titular… Nesses 55 jogos, eu fiz quatro ou cinco a titular. Acho que não me deram margem de erro. E como não me convocaram para o estágio seguinte, eu decidi que ia dedicar-me a 100 por cento ao FC Porto e aos estudos. E foi isso que fiz.

MF: Abdicou da seleção?

HL: Foquei-me totalmente ao FC Porto. Muitas vezes eu vinha da seleção triste e chateado, e quem ia pagar era o clube. Eu estava amuado nos treinos porque vinha com os sentimentos negativos da seleção.

MF: Não voltou a ser contactado?

HL: Tentaram convocar-me várias vezes, mas sempre para torneios, nunca para apuramentos. E desde aquele momento, falei sempre com as pessoas que tinha de falar e recusei o regresso à seleção. Se fosse útil, se não houvesse mais guarda-redes e a minha convocatória fosse para um apuramento, eu iria ajudar. Disse isso às pessoas. Mas para fazer torneios de chacha – quando eram chamados os jogadores que nunca eram convocados ou que jogavam menos – disse para não contarem comigo. Acho que tratarem-me assim era uma falta de respeito.

MF: Fica um amargo de boca por tudo isso?

HL: Fico com muita mágoa em relação à seleção. Fico com mágoa por nunca ter conseguido ter o espaço que deveria ter tido. Acho que merecia ter tido um espaço na seleção que nunca tive. Mas os tempos passam e temos de seguir em frente.

MF: Essa sua decisão foi comunicada à Federação, mas nunca foi divulgada publicamente pela Federação?

HL: Nunca foi comunicado à Federação. Foi sempre comunicado aos selecionadores. Quando eles me ligavam a perguntar a minha disponibilidade, eu dizia sempre que não estava disponível para torneios e jogos amigáveis. E se me convocassem, eu ia – porque sou obrigado -, mas iria contrariado. E ao saberem essa minha posição, nunca me convocavam.

MF: Nunca sentiu a necessidade de clarificar a situação?

HL: Aquilo que eu estou a dizer aqui, não podia ter dito enquanto jogador. Não podia dizer isso abertamente porque ia estar a influenciar os jogadores mais jovens. Eu defendo que um jogador tem de trabalhar não só para ser o melhor na sua posição, mas também para chegar à seleção. Acho que qualquer jogador deve ter a ambição de chegar à seleção. Por isso, eu não podia falar disso. Não podia entrar nessas guerras.

MF: Não voltou a ser chamado nem após a entrada de Paulo Jorge Pereira para o cargo?

HL: O professor Paulo Jorge Pereira convocou-me uma vez, quando o Quintana estava lesionado, para fazer um jogo de apuramento. Mas iam três guarda-redes. E eu disse ao professor que não ia para ser a terceira opção. Porque sabia que ia chegar lá e não ia jogar, mesmo que fizesse os melhores treinos. Fomos falando os dois e chegámos à conclusão que a melhor opção era eu não ir.

MF: Mas como viu o apuramento de Portugal para uma fase final, 14 anos depois da última presença?

HL: Acho que finalmente, Portugal está onde devia estar: de volta aos grandes palcos internacionais. Agora no campeonato da Europa, e espero que no próximo ano, no Mundial. E que no futuro possamos chegar a uns Jogos Olímpicos, porque isso seria muito bom para o andebol português.

MF: Acha isso possível a médio-prazo?

HL: Acho que estamos no bom caminho. O Paulo Jorge Pereira está a fazer um excelente trabalho, ao conseguir adaptar as ideias de vários clubes, aproveitando as qualidades de cada jogador. Acho que está a ser uma boa estratégia e está a dar frutos.

MF: Um dos bons sinais recentes do andebol português.

HL: Sim, podemos ver que o andebol português está a crescer. A seleção voltou a uma grande competição, temos duas equipas na Liga dos Campeões – o FC Porto e o Sporting – e isso é um bom passo para o andebol.

MF: O que acha que justifica este crescimento?

HL: O FC Porto investiu num treinador sueco, com muita experiência e uma visão completamente diferente do andebol. Temos jogadores muito mais maduros e com um conhecimento de andebol muito superior.

MF: Tem também a ver com o investimento, então?

HL: Sim, tem a ver com o investimento interno. O Sporting investiu muito e isso obrigou-nos a investir também. Logo, se toda a gente melhora, o próprio andebol melhora. E depois surgem os resultados internacionais.

MF: Aí é onde se vê de forma mais clara esse crescimento.

HL: Nós, no ano passado, ao conseguirmos eliminar o Magdeburg, acho que fizemos a reviravolta do andebol português.

MF: Foi o clique que faltava?

HL: Toda a gente viu que uma equipa portuguesa era capaz de ganhar ao Magdeburg, que era na altura o líder da Bundesliga. E se aquilo aconteceu, é porque conseguimos rivalizar com equipas da Alemanha. Depois ainda ganhámos também ao Saint-Raphael, uma das melhores equipas de França. O Sporting também teve muito bons resultados na Liga dos Campeões, conseguiu fazer frente ao Veszprem. E depois Portugal também conseguiu derrotar a França. Vimos que não há equipas imbatíveis e que nós estamos muito próximos dos melhores.

MF: E as provas continuam a aparecer…

HL: Sim, nós este ano na Liga dos Campeões já demos provas disso. Conseguimos ganhar ao Kiel na Alemanha, onde é raro alguém conseguir ir ganhar; perdemos aqui, mas de uma forma muito estranha, num jogo em que a única vez que estivemos em desvantagem foi no resultado final; também ganhámos ao Kielce e fizemos uma boa figura na Macedónia com o Vardar [atual campeão europeu]. Por isso, acho que as equipas lá fora já olham para nós com outro respeito.

MF: O recente sucesso das seleções jovens – meias-finais dos mundiais de sub-19 e sub-21 – também ajudam a sustentar a certeza desse passo em frente?

HL: Sim. E nesses escalões jovens, eu acho que há muito mérito das grandes equipas, como o FC Porto e o Benfica. Ao criarem as equipas B, essas equipas têm juniores a jogar na 2.ª divisão, contra seniores. E há equipas muito boas nesse escalão, o que faz com que esses jovens atletas cresçam. E muitos deles ainda jogam uns minutos na equipa A. Por isso, têm uma margem de crescimento muito maior do que antigamente, o que ajuda nas seleções.

MF: Dá-lhes uma estaleca diferente…

HL: Eles vão preparados para esses jogos. Além das equipas da 1.ª divisão que estão a apostar em jovens jogadores. Temos o caso do Gaia, com o Martim [Costa], que é júnior de primeiro ano, no ano passado foi o melhor marcador da 2.ª divisão e este ano está a jogar na 1.ª divisão.

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