Vamos fazer um exercício empírico. Assim de cabeça, quantos jogos oficiais é que Alemanha terá ganho a Itália em toda a história do futebol? Vá, atire um número…Algo que lhe pareça razoável tendo em conta uma balança que se prevê equilibrada atendendo ao estatuto de potências do futebol dos dois países. Já pensou?

Ok. Se a sua resposta foi qualquer outra que não zero, saiba que…errou. Parece impossível mas é verdade: a toda poderosa Alemanha nunca venceu a Itália na fase final de uma grande competição. E nem foi por escassez de oportunidades. Esta será a nona vez em que se encontram numa fase final, a segunda consecutiva em campeonatos da Europa. Itália ganhou quatro vezes, nas outras quatro houve empate.

Este sábado há mais uma oportunidade para a Alemanha, mais um capítulo da história para a Itália. Dois colossos do futebol como atestam os títulos ganhos (oito Mundiais, quatro para cada um; quatro Europeus, três para a Alemanha e um para a Itália), além da presença em jogos decisivos. A final do campeonato do mundo, por exemplo, já teve por 14 vezes Alemanha ou Itália. Isto é mais do que todos os restantes países da Europa juntos.

Por tudo isto, não há dúvidas que será o mais especial dos jogos dos quartos de final. A Itália já eliminou a campeã europeia e tem, agora, pela frente a campeã do mundo. A Alemanha joga contra o fantasma do passado. O velho carrasco.

Uma rivalidade que começou em 1962, no Mundial do Chile, com um insosso 0-0 na fase de grupos, mas que, oito anos depois, teve aquele que é, ainda hoje, visto como o seu capítulo mais esplendoroso. No Mundial de 70, Alemanha e Itália encontraram-se nas meias-finais. O resultado foi «O Jogo do Século».

Os 30 minutos mais memoráveis da história dos Mundiais

No livro «O essencial dos Mundiais para ler em 90 minutos», da redação do Maisfutebol, essa página gloriosa da história deste desporto é detalhada.

«Foi a 17 de junho de 1970, no estádio Azteca. Itália e Alemanha discutiam o direito a decidir o titulo mundial com o Brasil. O jogo começou morno e aborrecido, o que não surpreendia: frente a frente estavam duas das seleções mais competentes (leia-se: pouco apaixonantes) e previsíveis do mundo.

A Itália marcara cedo, por Bonisegna, e depois, previsivelmente, fechara-se na defesa. De forma não menos previsível a obstinada Alemanha partira ao assalto da baliza de Albertosi. Mas não encontrava soluções para chegar ao empate. O tempo escoava-se, lento, à volta de um guião de um tema só. Até que surgiu o grão de areia que virou o filme do avesso: aos 67 minutos, já depois de a Alemanha ter esgotado as substituições, Beckenbauer avançou com a bola, entrou na área e foi derrubado por Cera. O lance tinha cara de penálti, forma de penálti, mas o árbitro peruano Yamazaki não lhe deu nome de penálti. Beckenbauer ficou estendido, agarrado ao ombro direito, que tinha saltado da articulação com o impacto no chão. Saiu do relvado, para ser assistido, e voltou com o braço imobilizado, amarrado ao tronco.(…)

Com os italianos cada vez mais acantonados na sua área, o empate chegou aos 90 minutos. Golpe de teatro? Talvez não: poucas coisas são mais lógicas do que um golo da Alemanha nos descontos. Começavam aí os 30 minutos mais memoráveis da história dos Mundiais.

O calor infernal no Azteca e a quebra física dos homens do meio campo fizeram do prolongamento um outro jogo dentro do jogo. Soltaram-se as amarras, os esquemas e as marcações, houve erros impensáveis, ocasiões clamorosas e golos a rodos: cinco em 17 minutos, 4-3 final para Itália, Beckenbauer vencido.»

Até que ponto este jogo marcou a história do futebol? Ao ponto de, ainda hoje, estar imortalizado num monumento em frente ao estádio Azteca, onde se «presta homenagem às seleções de Itália (4) e Alemanha (3) protagonistas no Mundial de 1970 do Jogo do Século».

Na fase de grupos dá sempre empate

Como se disse, em oito encontros oficiais entre Itália e Alemanha em fases finais de grandes torneios (nunca se defrontaram numa qualificação) metade terminaram empatados. A curiosidade é aconteceu sempre que o jogo estava incluído numa fase de grupos.

Foi assim nos Mundiais de 62 (0-0), 78 (0-0) e nos Europeus de 88 (1-1) e 1996 (0-0). Este último é o mais perto que a Alemanha ficou de bater a «squadra azzurra». Não especificamente pelo jogo que fez mas porque, na verdade, afastou os italianos do torneio.

Recorde-se que a Itália era vice-campeã do mundo e entrou no Europeu a ganhar à Rússia, mas depois foi derrotada pela República Checa num jogo em que jogou uma hora com dez por expulsão de Apolloni. A Alemanha, por seu turno, já estava apurada quando subiu ao relvado de Old Trafford para o jogo que podia dar o apuramento à Itália. E, então, tudo correu mal aos italianos.

Aos 9 minutos Zola falhou um penálti. Aos 60 a Alemanha ficou reduzida a dez, por expulsão de Thomas Strunz. Mas nem assim Itália marcou. E, por isso, veio mais cedo para casa.

Da final do Bernabéu à noite de luxo de Super-Mario Balotelli

Bem antes disso, em 1982, já Itália e Alemanha haviam-se defrontado num palco bem mais luxuoso. Não por ser, especificamente, o Santiago Bernabéu, mas pelo valor do embate: final do campeonato do mundo.

Ganhou…a Itália, claro. Ou não tem estado atento a esta história? A Alemanha tinha ultrapassado uma semi-final bem complicada frente à França, apenas decidida nos penáltis. Toni Schumacher, o guarda-redes justificou o desaire por 3-1 com o «cansaço extremo» da equipa.

Ainda assim, perder uma final de um Mundial não foi a maior desfeita que os italianos infligiram. O que pode ser pior? Perder uma meia final…em casa.

A Alemanha chegou ao Mundial 2006 na expectativa de recuperar o titulo que fugia desde 1990. Ainda por cima com a queda dos campeões do mundo em título, o Brasil, nos quartos de final, a Alemanha ganhava força. Mas veio o carrasco do costume. Nulo no tempo regulamentar e nulo quase até ao fim do prolongamento. Quase…

Fabio Grosso, herói improvável, marcou em cima da meta e ainda houve tempo para o segundo, por Del Piero, com os alemães em choque. Um choque que durou anos e, provavelmente, só foi ultrapassado com a reconquista do cetro mundial em 2014.

Até porque, dois anos antes disso, Itália voltou a custar a final de uma grande competição, no caso o Europeu, na noite de maior brilho da carreira de Mario Balotelli, que bisou e contrariou as teorias que davam imenso favoritismo à Alemanha para o duelo.

É que por muito que os germânicos pareçam mais fortes, nunca se deve descurar a tradição. Por vezes, ainda é o que era…