«A Liga está forte, tem tudo para continuar a crescer.» Pedro Santos vai para a quarta temporada na MLS. É o mais veterano português no campeonato norte-americano de futebol, às vezes até ele já diz «soccer», e fala com o Maisfutebol numa conversa que serve de guia pela nova temporada de um campeonato que celebra esta época 25 anos. Com duas novas equipas, novas caras e sempre com foco no aumento da competitividade. O que passa por uma aposta no alargamento da capacidade de recrutamento, através de um novo acordo salarial que dá melhores condições aos jogadores, ou no scouting, para ganhar capacidade de exportação de jogadores, em nome do equilíbrio económico mas também de maior qualidade competitiva. Alphonso Davies, formado em Vancouver e agora a brilhar no Bayern Munique, é o exemplo perfeito dessa estratégia de um campeonato que procura afastar-se cada vez mais do rótulo exclusivo de destino dourado de estrelas europeias em final de carreira e continua a alimentar a ambição de vir a rivalizar com os grandes campeonatos do planeta.

O modelo de base da MLS é o de sempre, um campeonato sem descidas nem promoções, que tem vindo a expandir-se progressivamente a novas equipas. Eram 10 em 1996, são 26 este ano, com duas estreias, uma delas muito mediatizada, a do Inter Miami de que David Beckham é um dos donos. O Nashville FC é a outra novidade. Até 2022 haverá mais quatro, em Austin e Charlotte daqui por um ano e depois St. Louis e Sacramento.

A competitividade naquela que já é claramente a experiência mais duradoura e sólida de uma competição de futebol nos Estados Unidos é garantida por uma organização centralizada e traduz-se nos resultados. Em 24 edições houve 14 campeões diferentes, o último dos quais o Seattle Sounders, mesmo com algumas equipas tradicionalmente mais dominadoras. Como o LA Galaxy, que teve Beckham e até ao ano passado teve também Ibrahimovic. É o clube com mais troféus, cinco no total, mas não vence desde 2014.

Entre as equipas mais recentes, há exemplos de sucesso imediato, outros nem por isso. O mais notório é o Atlanta United, que na temporada de estreia, em 2017, chegou aos play-off e na época seguinte foi campeão. O Los Angeles FC também ganhou estatuto rapidamente. No ano passado, na segunda temporada, foi a melhor equipa da época regular e finalista da Conferência Oeste.

O Atlanta United é um enorme caso de sucesso pela forma como mobilizou a cidade, o LAFC também ganhou rapidamente estatuto com o bónus de passar a alimentar uma rivalidade de vizinhança com o Galaxy e em termos globais a MLS tem vindo a crescer em adeptos nos estádios. Com casos de grande identificação das pessoas com os clubes. O Columbus Crew de Pedro Santos é o melhor exemplo: os próprios adeptos impediram que o clube fosse levado para fora da cidade. Ele já vai contar a história.

Numa Liga que perdeu também outro dos grandes nomes das últimas temporadas, Wayne Rooney, houve em contrapartida algumas apostas de peso, a mais sonante das quais a contratação de Javier Hernandez. Chicharito é reforço do LA Galaxy e é um dos vários jogadores mexicanos de estatuto que chegam à MLS, a explorar também o potencial de atração do país vizinho. O Inter Miami foi buscar igualmente uma estrela do campeonato mexicano, Rodolfo Pizarro, enquanto Alan Pulido, do Sporting KC, é outro dos Designated Players da época, os jogadores que podem ser contratados fora do teto salarial de cada equipa.

A aproximação ao México faz-se também com uma nova competição, a Leagues Cup, que teve a primeira experiência no ano passado e foi agora alargada a 16 equipas, oito de cada campeonato. Joga-se no verão, em formato de eliminatórias.

Mas a MLS começa também a fazer-se notar pelo talento que produz, ou potencia. Alphonso Davies é o exemplo do momento, mas há mais jovens a crescer no país do «soccer». Como exemplo o facto de no último torneio pré-olimpico sul-americano, no início deste ano, a MLS ter sido o campeonato estrangeiro que contribuiu com mais jogadores. Há muito talento, dirá Pedro Santos nesta conversa, à atenção dos clubes europeus.

As novidades da temporada também passam por mudanças nos bancos e o estreante mais mediático é Thierry Henry. O antigo internacional francês, que acabou a carreira precisamente na MLS, está de volta aos Estados Unidos, agora como treinador do Montréal Impact, uma nova experiência depois de trabalhar como adjunto na seleção da Bélgica e de uma passagem pelo Mónaco.

Pedro Santos é um dos cinco jogadores portugueses que entram em competição a partir de sábado. Ele continua no Columbus Crew, enquanto no Orlando City seguem Nani e João Moutinho e no Sporting Kansas City estão Luís Martins e o luso-guineense Gerso Fernandes. Há ainda o luso-canadiano Marc Santos, treinador dos Vancouver Whitecaps. O médio de 31 anos, que em 2017 trocou o Sp. Braga pelos Estados Unidos sem saber bem o que iria encontrar, está agora perfeitamente adaptado e vem de uma época em que fez 35 jogos e marcou 11 golos. É com otimismo que, depois de um treino do Columbus, Pedro Santos fala com o Maisfutebol sobre o campeonato e a temporada que aí vem, explica algumas das particularidades e das mudanças da MLS e deixa um conselho aos clubes europeus.

Está quase a começar a temporada. Como vão as coisas para a nova época?

Está tudo a correr bem. Fizemos uma excelente pré-época, temos tudo para começar bem e fazer uma boa temporada.

Este ano há mais equipas e várias mudanças. O que espera deste campeonato?

Normalmente as equipas são bastante equilibradas. Saíram alguns jogadores importantes, mas vêm sempre outros com qualidade. A Liga está forte, tem tudo para continuar a crescer. O que vejo é que têm vindo mais jogadores europeus para cá, que vêm trazer mais qualidade. Antes havia mais sul-americanos, agora é mais equilibrado. A MLS tem evoluído sempre, eles trabalham muito para a Liga ser mais competitiva. No ano passado alteraram os play-off para melhor, pensam sempre com o intuito de tornar o campeonato mais competitivo.

Este ano também há alterações no formato da época regular. Como vai ser?

Jogamos em casa e fora com todas as equipas da mesma conferência. Da outra conferência, antigamente jogávamos com todos, agora não. Nós não vamos jogar com as duas equipas de Los Angeles e com o San Jose Earthquake.

Evitam então para já duas das equipas mais fortes do campeonato, as duas equipas de Los Angeles, ou não?

São os dois principais candidatos a atingir os play-off na outra conferência. O LA Galaxy é uma das equipas mais fortes, o Los Angeles FC foi a melhor equipa da época regular no ano passado.

Há curiosidade em relação ao Inter Miami, também por causa da ligação ao David Beckham. O que será de esperar deles?

Tenho visto as contratações, têm ido buscar gente com muita qualidade, jogadores novos que vêm de fora. Vai ser a época de estreia, acredito que vão fazer boa figura. Mas têm de começar tudo de novo, não é fácil.

Thierry Henry é um dos novos treinadores da MLS, um nome com muita experiência de futebol europeu. O que é que apostas como esta podem levar à MLS?

Os treinadores e jogadores europeus têm um nível tático mais evoluído, trazer essa qualidade é bom para as equipas. Trabalham mais taticamente, mais na defesa, mais na organização. Aqui o jogo é tradicionalmente mais aberto, mais ofensivo.

Esta época há também um novo acordo salarial com melhores condições para os jogadores. O que mudou exatamente?

Já entrou em vigor, no mês de fevereiro. Foi um bom acordo para os jogadores, a ideia era ajudar os jogadores no futuro. Mais uma vez, a tentar que a Liga seja mais competitiva. Houve aumento do teto salarial, mas também envolve outras coisas, como mais prémios por vitória. Também em relação aos free agents. Antes só podiam negociar com outras equipas aos 27 anos e com cinco de Liga, agora passa a ser aos 25. Para os mais jovens é melhor. Houve outras melhorias, viagens em charters, maiores orçamentos.

É estranho para quem vem do futebol português ver esse tipo de assuntos debatido abertamente?

Eles aqui falam de coisas a que eu não estava habituado, sim… Depois de cá estarmos vamo-nos habituando.

Outra das novidades é a criação de uma espécie de Taça da Liga que junta equipas da MLS e da Liga mexicana. A ideia será aumentar a competição internacional para as equipas da MLS, nomeadamente ao nível da Concacaf. Acha que será possível dar esse salto?

Segundo o que sei, são seis a oito equipas, escolhidas pela Liga, não há uma qualificação. Mas ainda não há muita informação. Conforme vão jogando, as equipas da MLS vão conhecendo melhor as outras equipas. Nunca uma equipa da MLS ganhou a Liga dos Campeões da Concacaf. Mas acredito que vai acabar por ganhar. Já há equipas bastante fortes.

Uma das bandeiras da MLS nos últimos tempos tem sido a intenção de apostar na formação. Em que ponto está a esse nível?

Eles apostam, mas a formação não é muito forte. Talvez por isso a seleção norte-americana tem sentido também essa baixa de qualidade. Os jogadores da formação demoram muito tempo a afirmar-se nos clubes, porque os jogadores que vêm de fora têm sempre prioridade. Não é como na Europa. Mas estão a apostar cada vez mais, querem ser fortes também por aí.

Um caso de sucesso é o de Alphonso Davies, que foi formado no Vancouver Whitecaps e já se afirmou no Bayern Munique. Ainda esta semana fez uma grande exibição frente ao Chelsea, teve repercussão aí?

Sim. Depois do jogo toda a gente falava aqui sobre isso. Mas há mais. No ano passado saíram muitos jogadores com qualidade, o Miguel Almirón para o Newcastle, o meu guarda-redes, o Zack Steffen, para o Manchester City. Os clubes na Europa estão a ficar mais atentos. Eu digo muitas vezes que os clubes europeus deviam olhar mais para aqui, que há muita qualidade.

A ideia que fica é que há um cada vez melhor trabalho de scouting também nas equipas da MLS. É assim?

Sim, a esse nível trabalha-se bem. Todas as equipas têm três, quatro jogadores jovens, que vêm na maioria da América do Sul, aí há muito trabalho de prospeção.

E quanto ao interesse dos adeptos, há mais gente a acompanhar os jogos?

Tem havido aceitação muito grande por parte dos adeptos. O Atlanta é o caso de maior sucesso, leva 70 mil adeptos ao estádio. Os estádios estão normalmente bem compostos, há cada vez mais pessoas e a tendência é para que venham a ser mais.

O Columbus é um bom exemplo do envolvimento dos adeptos, com a campanha popular quando em 2017 o dono quis mudar o clube de cidade. Já estava no clube, como é que foi esse processo?

O antigo dono queria mudar o clube para Austin, e mudar o nome. A cidade ia perder o clube. O Crew é um dos clubes mais antigos, um dos primeiros da MLS. Houve uma grande mobilização por parte dos adeptos, com iniciativas e campanhas. O lema era «Save the Crew». Arranjaram investidores e conseguiram manter o clube na cidade. Na altura as pessoas puxavam por nós, sempre a insistir no lema da campanha, «Save the Crew».

E agora, as pessoas continuam a apoiar o clube, têm muita gente no estádio a ver os jogos?

O nosso estádio tem capacidade para cerca de 25 mil adeptos. Não costuma estar cheio, mas tem sempre 10 mil adeptos em média. Mas o clube está a construir um novo estádio, mais perto do centro, e vai ser melhor. Deve estar pronto no verão e as pessoas estão entusiasmadas. O atual fica a uns 20 minutos da cidade, num espaço aberto, não tem grande ambiente.

Vai para a quarta temporada no Columbus. E daqui para a frente, quais são os seus planos?

O meu pensamento passa por ficar aqui. Só tenho mais este ano de contrato e o clube tem mais um de opção, depois logo falo com o clube. A minha ideia é continuar, mas nunca se sabe.

Costuma falar com os outros portugueses da MLS, apesar das distâncias?

São distâncias muito grandes, mas sim. Na pré-época estive com o Luís Martins e com o Gerso, sempre que temos oportunidade falamos. Com o Nani não falo muito.

Para terminar, o que é que o futebol português podia aprender com a MLS?

Se calhar mais a nível de organização. Aqui as equipas e a própria Liga são bastante organizadas. O futebol português passa por um momento delicado e por aí podia aprender. Também em relação aos adeptos. Aqui não existe a rivalidade que existe em Portugal. As pessoas vão ao estádio para apreciar o espectáculo, não vão com ódio, não há essa mentalidade. Não há a exigência que há em Portugal. E isso permite que as pessoas possam ir ao estádio em família, que possam estar tranquilas e os jogadores também, que possam estar em campo sem ser insultados.