António Simões teve o privilégio de partilhar a intimidade de George Best. Foi treinador dele nos anos oitenta, no San José Earthquakes, dos Estados Unidos, numa altura em que o génio norte-irlandês já caminhava para o final da carreira. Com esse cruzamento teve oportunidade de conhecer o extremo muito para além das histórias que faziam as manchetes dos tablóides britânicos. «Era como o menino-prodígio que aprendia a tocar piano sem que ninguém o ensinasse», diz. «Foi um rei do futebol».
O magriço ainda não sabia da morte de George Best. Soube-o pelo Maisfutebol, aliás, e depois de perguntar se estava mesmo confirmado não conseguiu evitar um quase surdo oh, meu Deus. «Bem, já estava previsto, não era?», disse logo depois. «Diluiu-se em álcool e deu cabo da vida. Já na altura em que eu o treinava punha-se a beber e não conseguia parar. Tínhamos de o ir arrancar dos bares, se não ele não saía de lá. Uma dia fomos jogar a Los Angeles e ele não apareceu. Estava em coma de tanto beber».
A partir daqui os elogios desfiam-se quase sem interrupção. António Simões fala com a emoção nas palavras. «Não quero cair no lugar-comum tão típico deste nosso país que é elogiar uma pessoa só depois de ela estar morta, mas do George Best só posso falar bem», referiu. «Foi um jogador extraordinário, tinha um talento e uma arte incríveis. Ele partia aquilo tudo». Fazia-o por prazer, garante Simões, e isso compensava todos os devaneios. «Nos treinos era muito complicado, não ouvia o que lhe dizia. Pegava na bola, driblava três ou quatro companheiros e desatava a rir-se. Para ele tudo era fácil. Mas essa irreverência é que era a essência do seu talento. Por isso é que ele partia tudo nos jogos. Jogava com alegria. O futebol não era uma profissão, era um divertimento».
«Há muitos jogadores que ficam na história porque têm sucesso, mas poucos ficam na história porque têm magia»
No final da vida, o álcool. Uma cama de hospital e uma morte agonizante. «A bebida pode ter-lhe dado cabo da vida, mas não lhe deu cabo da carreira», garante António Simões. «George Best vai ficar na história do futebol como um dos maiores talentos de sempre. E esse ficar na história nem o álcool conseguiu impedir. Nasceu com aquela magia dentro dele, foi um génio do futebol. Os génios são assim, são irreverentes, vivem num mundo à parte. O George Best foi irresponsável, viveu num mundo à parte, mas fica na história». Numa página especial da história, aliás. «Não pelo sucesso, mas pelo fantástico talento. Há muitos jogadores que ficam na história porque têm sucesso, mas poucos ficam na história porque têm magia. O George Best espalhava magia».