Esta era a pergunta de base: quantas equipas conseguiram apurar-se na fase de grupo da Liga dos Campeões apesar de perderem duas vezes em casa? A interrogação nasceu logo a seguir ao desaire do FC Porto perante o Zenit. Com três jornadas pela frente, o campeão português pode perfeitamente dar a volta às contas. Mas será que é comum? Depois de visto o histórico da Champions, a resposta é simples: não.

O formato da Liga dos Campeões tem sofrido diversas alterações desde que a competição deixou de ser apenas a eliminar e passou a ter uma fase de grupos, em 1991/92. Para esta análise tivemos em conta a primeira fase de grupos, nas épocas em que houve duas.

Tudo somado, até à época passada tinham ficado em primeiro ou segundo lugar na fase de grupos da Liga dos Campeões 252 equipas. Pergunta o leitor, já impaciente: sim, e dessas, quantas perderam duas vezes em casa? Resposta: 7. O número dá uma ideia da dificuldade. O resto do texto conta a história desses apuramentos que driblaram a lógica.

2011/12  foi um ano bom para milagres. No mesmo grupo, o B, dois clubes apuraram-se depois de terem perdido duas vezes em casa: Inter e CSKA. Aliás, fenómeno ainda mais raro, ficaram de fora as equipas que não conheceram a derrota no seu estádio, O Trabzonspor empatou três vezes, o Lille empatou duas e perdeu uma. No caso dos italianos e dos russos, fecharam as contas com uma vitória e dois desaires perante o seu público.

Tudo no grupo foi estranho. O Inter começou a perder com os turcos e acabou a ser derrotado em Milão pelo CSKA. Foi essa vitória, aliás, que permitiu o apuramento dos russos. Mas isso só sucedeu porque à mesma hora Lille e Trabzonspor ficaram num inexplicável 0-0. Basta que um deles tivesse vencido e a história seria diferente. Pelo menos para os de Moscovo, que o Inter apareceu na derradeira ronda já apurado. Ganhar duas vezes fora e empatar no terreno do Lille compensou a má campanha em casa.

O grupo terminou muito equilibrado. O primeiro teve 10 pontos, o segundo 8, o terceiro 7 e o último seis. À entrada para a derradeira ronda todos podiam ser apurados.

Na mesma época, mas no grupo F, o Marselha conseguiu também o feito pouco comum de se apurar com duas derrotas no Velodrome. Ficou apenas com menos um ponto do que o Arsenal, mais um do que Olympiakos e mais seis do que o Borussia Dortmund (o que isto mudou em tão pouco tempo!).

Os franceses compensaram o mau jogo em casa com duas vitórias fora. De resto, o início foi ótimo. Vitória na Grécia, vitória em casa perante o Dortmund (3-0!). O pior começou depois. Derrota em França com o Arsenal. O empate em Londres (0-0) foi simpático, mas a derrota em casa com o Olympiakos, na quinta jornada, tornou tudo caótico.

O Arsenal entrou na última ronda apurado, com onze pontos. O Marselha era segundo com sete, o Olympiakos terceiro com seis e o Dortmund com quatro. Ou seja, tudo era possível. Os gregos venceram os ingleses em casa e os franceses foram triunfar à Alemanha, por 3-2. O golo que tudo decidiu foi marcado por Valbuena, aos 87 minutos. Dá uma ideia do dramatismo.

Antes destes três apuramentos com péssimas campanhas em casa, o AC Milan tinha conseguido algo idêntico, na já distante temporada de 2003/04, quando o FC Porto festejou o título de campeão eruopeu.

Por estranho que pareça, os italianos conseguiram até ganhar o grupo H, onde estavam também Celta, Club Brugge e Ajax. Em casa ganharam uma vez e perderam duas. Fora venceram duas e empataram uma vez. A coisa equilibrou-se.

Tudo começou «normal», com uma vitória em casa sobre o Ajax (1-0). Seguiu-se um empate em Vigo (0-0) e uma inesperada derrota em casa frente ao Club Brugge (0-1).

A coisa estava realmente estranha, mas o Milan resolveu o assunto com duas vitórias consecutivas fora de casa, bem à italiana. Ambas por 1-0. Kaká marcou aos 86 minutos (pois...) na Bélgica. Shevchenko resolveu um pouco mais cedo (52) na Holanda.

Assim, à entrada para a última jornada o problema estava resolvido e até foi possível perder outra vez em casa, sem drama: 1-2, frente ao Celta. Mais uma vez, a classificação final foi equilibrada: Milan, 10; Celta, 9; Club Brugge, 8 e Ajax, 6.

Antes do Milan, a época 1996/97 tinha marcado registado o apuramento com duas derrotas em casa de três clubes:  Ajax, Manchester United e Rosenborg.

O Ajax estava no Grupo A e apurou-se com os mesmos pontos do Auxerre (12), mas em segundo lugar. Foi um grupo estranhíssimo: não houve um único empate. Seis vitórias em casa, seis vitórias fora! Depois de muita confusão, o Ajax chegou à última jornada em igualdade pontual com o Grasshopers, ambos com nove pontos. Os suíços tinham até vencido em Amesterdão e o empate seria suficiente. Nessa equipa estavam grandes jogadores, como Van der Sar, os irmãos De Boer, Danny Blind, Litmanen, Overmars e Kluivert e foi o ponta-de-lança que decidiu o apuramento, com um golo aos 32 minutos. Van Gaal era o treinador, Collina apitou o jogo. O Grasshoppers acabou com nove pontos, o Glasgow Rangers com três.

No Grupo C, o Manchester United fez o mesmo: perdeu duas vezes em Old Trafford, mas apurou-se.

Nesse ano a Juventus fez um percurso quase perfeito: três vitória em casa, duas fora e um empate apenas, em Viena (com o Rapid, 1-1). Por sinal, esse foi também o único golo sofrido. Essa equipa de Marcelo Lippi era de facto excelente.

Ao Manchester United restava lutar pelo segundo lugar. No final da primeira volta estava tudo normal: derrota em Turim, vitória em casa sobre os austríacos e fora, em casa do Fernebahçe. Tudo certo para Alex Ferguson. O pior foi depois.

O Fernerbahçe de Okocha e Kostadinov foi ganhar a Old Trafford na quarta jornada, golo de Bolic (79). A seguir foi a Juventus, também 1-0, golo de Del Piero (36, gp).

À entrada para a derradeira ronda o Fenerbahçe era segundo, embora jogasse em Turim. Os turcos perderam e o Manchester United foi obrigado a vencer em Viena: 2-0, golos de Cantona (24) e Giggs (71). Sim, foi assim há tanto tempo. Por curiosidade, nos quartos-de-final o Manchester United eliminou o FC Porto e caiu nas meias-finais perante o Borussia Dortmund, que foi campeão europeu.

Nessa mesma época, mas no Grupo D, o Rosenborg também foi feliz apesar de derrotado duas vezes na Noruega. O FC Porto ganhou o grupo, com quatro vitórias e dois empates. Domínio, 16 pontos.

Todas as outras equipas perderam duas vezes em casa: Rosenborg, Milan e Gotemburgo.

Esta foi aquela vez em que António Oliveira lançou Jardel e o FC Porto triunfou em San Siro. Esse jogo aconteceu logo na primeira jornada. À mesma hora o Rosenborg vencia em Gotembrugo. Duas vitórias fora, para início de conversa. Os noruegueses perderam depois em Trondheim com Milan e FC Porto. 

À entrada para a última ronda o FC Porto estava apurado, o Milan tinha 7 pontos e o Rosenborg apenas seis. O empate chegava aos italianos, em casa. Pois bem, aconteceu valente surpresa. Brattbakk marcou aos 29 minutos, Dugarry empatou aos 45 e Heggem decidiu, para espanto da Europa, aos 70. Na ronda seguinte uns italianos um pouco mais a sério repuseram a legalidade e afastaram os valentes noruegueses.

O FC Porto conseguirá seguir algum destes exemplos? Uma coisa é certa, os números não estão do lado de Paulo Fonseca.