Sim ou não ao sorteio dos árbitros?

Já por duas vezes esse sistema de escolha dos árbitros vigorou no futebol português (1991-93, ainda com os campeonatos sob a alçada da FPF, e 1998-2003, já com a Liga), mas a nomeação direta é norma em toda a Europa e regra com muito poucas exceções no futebol internacional.

A 29 de junho passado, em Assembleia Geral da Liga realizada em Santa Maria da Feira, os clubes, após iniciativas de FC Porto e Sporting (com propostas distintas no pormenor, mas similares no essencial) aprovaram, por larga maioria (28 votos a favor, 16 contra), o regresso ao sorteio dos árbitros como método de escolha para os jogos das competições profissionais, sendo que «nos jogos de maior grau de dificuldade, são elegíveis para o sorteio os árbitros internacionais.»

Apesar da larga margem na aprovação, a ideia está longe de ser pacífica – e poderá nem sequer ser concretizada.
Isto porque, para poder entrar em vigor já em 15/16, o sorteio terá que ser ratificado na Assembleia Geral Extraordinária da FPF, marcada para o próximo sábado, dia 25, às 10 horas, depois do presidente da FPF, Fernando Gomes, ter solicitado ao líder da AG, José Luís Arnaut, «prioridade máxima», de modo a clarificar a questão a tempo da nova época desportiva.


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É para ratificar ou reprovar?


Alexandre Miguel Mestre, especialista em Direito do Desporto, antigo secretário de Estado do Desporto e Juventude, apontou, em recente artigo na «Sábado»: «A organização e regulamentação das competições de natureza profissional é uma competência da liga profissional em causa, exercida por delegação (legal) da respetiva federação. Visto de outro ângulo, a liga profissional exerce nas competições de natureza profissional ‘as competências da federação em matéria de organização, direcção, disciplina e arbitragem, nos termos da lei’. Assim, quando a LPFP adota um Regulamento de Arbitragem, fá-lo por delegação de competências da FPF, como que vestindo a camisola da federação para aquela competição profissional em concreto.»
 
Universo eleitoral bem diferente

 
É preciso lembrar que o universo eleitoral da Federação é completamente do da Liga.

Os votos dos clubes que aprovaram o sorteio da AG da Liga não têm correspondência direta na AG da FPF. Estão representados pelos 20 votos da Liga e, indiretamente, pelo voto do presidente das respetivas associações distritais. Os resultados, nas AG de Liga e FPF, podem ser bem diferentes, mesmo quando se trata do mesmo tema.

E a verdade é que várias reações pós aprovação em AG da Liga apontam num sentido muito negativo.

Reunido em Rio Maior, no passado dia 3, o Plenário do Conselho de Arbitragem (órgão que reúne as secções profissional e não profissional), pronunciou-se contra a ideia por «qualquer que seja a sua forma», defendendo a «manutenção do sistema de nomeação por designação direta de árbitros, árbitros assistentes e observadores, por ser este o que melhor defende os interesses das competições, da arbitragem e dos árbitros».

O Plenário considerou ainda «inconcebível a proposta de os clubes poderem interferir diretamente na classificação dos árbitros, em resultado da denúncia das suas atuações, por isso representar uma intolerável forma de pressão sobre os árbitros, com consequências prejudiciais para a verdade desportiva» e alertou: «Essa proposta traduz uma desconfiança relativamente aos árbitros e à arbitragem».

A APAF, liderada por José Fontelas Gomes, também já se posicionou contra o sorteio e pelas nomeações.
 
O Sindicato dos Jogadores também deverá votar contra, ainda que o organismo não divulgue antecipadamente o seu voto. Os treinadores também devem votar contra, atendendo à sintonia que já terão prometido à APAF, na recusa do sorteio.



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Um coro de «nãos» no setor
 

Há uma quase unanimidade na recusa das «bolinhas» entre árbitros no ativo e antigos juízes.

Jorge Sousa, melhor árbitro da Liga em 14/15, foi claro: «As nomeações são o único caminho possível».
 
Paulo Baptista, antigo árbitro da AF Portalegre, é muito claro na recusa do sorteio. Em declarações à Rádio Despertar de Estremoz, apontou: «Nós trabalhamos e temos de ter pessoas a dirigir-nos que confiem em nós, que saibam o que trabalhamos e que conheçam o nosso progresso. O nosso momento de forma é fundamental para sermos escolhidos para este ou para aquele jogo. Nós, árbitros, não gostamos de ser escolhidos através de uma bola. (…) "Com o sorteio pode perfeitamente acontecer a um árbitro de segundo ano, internacional, mas com apenas cinco ou seis jogos na 1.ª Liga, ir apitar um clássico. Isso é impensável!"»
 
Fator improvável: as eleições para a Liga
 
Há um dado improvável que pode influenciar, ainda que indiretamente, esta questão da ratificação ou reprovação do sorteio.
 
A classe da arbitragem está, nesse particular, potencialmente dividida: os árbitros têm-se pronunciado claramente contra o sorteio, mas José Fontelas Gomes, presidente da APAF, é apoiante de Pedro Proença para a Liga.
 
Na declaração de candidatura, Pedro Proença não tomou posição sobre o tema, mas em entrevista ao Público, a 6 de julho passado, comentou:  «Em todas as ligas internacionais evoluídas, não há nenhuma que tenha o processo do sorteio para a designação dos árbitros. Aliás, as orientações da FIFA e da UEFA levam a crer que não é aceitável que os árbitros sejam sorteados. Também é verdade que, para quem dirige a arbitragem em Portugal, há sinais que têm de ser entendíveis pelas pessoas, como aquele de que falámos há pouco. Ninguém consegue entender como é que o árbitro que apita a final da Taça de Portugal é um árbitro que é despromovido dez dias depois. São estas faltas de explicações que levam, depois, os clubes a sentir a necessidade de pedir o tal sorteio. Obviamente que, em tese, estarei contra, mas há que perceber os sinais dos clubes.»
 

Ferido de ilegalidade?
 
Há dúvidas em relação à legalidade da proposta aprovada em AG da Liga.

O ponto já constava, de resto, do comunicado do Plenário, saído dessa reunião de 4 de julho: «O Conselho de Arbitragem alerta para a possibilidade de a proposta não estar de acordo com a legislação aplicável em vigor».

O presidente da AG da FPF, José Luís Arnaut, tem em mãos dois pareceres que apontam para eventual ilegalidade do sorteio, dando razão à posição de Vítor Pereira e do Conselho de Arbitragem da FPF. Uma hipotética aprovação do sorteio poderia pôr em causa o Estatuto de Utilidade Pública da FPF.
 
CA da FPF encontrou 26 razões contra o sorteio
 
O Conselho de Arbitragem da FPF é frontalmente contra o sorteio. E chegou a encontrar 26 razões para justificar essa oposição.

Dez das mais relevantes são estas:

-- Prejudica de forma irreversível a imagem do futebol em geral e da arbitragem em particular
 
-- Pode fazer com que o «melhor árbitro da temporada não seja sorteado para arbitrar nenhum dos jogos dos chamados ‘grandes»
 
-- Coloca em pé de igualdade os nove árbitros internacionais, contrariando a hierarquização da UEFA
 
-- Coloca ainda em causa o respeito pelas 72 horas de intervalo entre cada jogo
 
-- Sorteio dos assistentes pode provocar «perda de eficácia» por quebrar rotinas das equipas de arbitragem
 
-- Aumenta custos com transportes
 
-- Risco da disparidade das proveniências dos juízes
 
-- Coloca em causa o princípio da equidade entre os diversos árbitros e clubes (o sorteio tem de ser de tal forma condicionado que ao fim da sétima ou oitava jornada para alguns jogos só haverá dois ou três árbitros disponíveis)
 
--  Ignora a «competência e mérito» e a «forma física, técnica e psíquica» dos possíveis sorteados
 
-- Deixa de haver árbitros internacionais a arbitrar jogos decisivos da II Liga

«Aberração e retrocesso», diz Vítor Pereira
 
Em entrevista à SIC Notícias, no passado dia 4, Vítor Pereira, presidente do Conselho de Arbitragem da FPF, principal visado por esta proposta de sorteio, falou em «aberração e retrocesso».

«O sorteio é uma aberração. É uma negação ao que se pretende. Não existe em lado nenhum da Europa, nem UEFA, nem da FIFA. É um retrocesso. Um regresso a um passado, mas a um mau passado», insistiu.

No argumentário anti-sorteio, Vítor Pereira destacou: «O sorteio não pode ser considerado porque não se consegue, por exemplo, treinar em equipa quando se nomeiam árbitros assistentes e árbitros de associações diferentes. Nós queremos que os árbitros tenham a possibilidade de treinar, tal como as equipas, e, desta forma, isso deixa de ser possível».
 
Associações estão maioritariamente contra  
 

As associações distritais (que embora já não tenham maioria absoluta dos votos, desde os novos estatutos da FPF decorrentes da alteração do regime jurídico, representam 26% dos votos) parecem estar  maioritariamente contra o sorteio.

Cada presidente de associação (são 22) tem direito a um voto.

Para já, nenhuma delas se pronunciou publicamente a favor. Contra estão, assumidamente, Angra do Heroísmo, Bragança, Évora, Guarda, Leiria, Lisboa e Vila Real. As restantes ainda não revelaram sentido de voto, mas muitas delas têm dado sinais de estarem, também, contra o sorteio.

No caso da AF Lisboa, o presidente, Nuno Lobo, vai votar contra, mas dá-se divisão interna de posições entre os clubes: Benfica, Belenenses e Oriental estão contra; Sporting e Estoril são a favor.
 
Acesso aos relatórios
 
Além do sorteio dos árbitros, a AG extraordinária deste sábado vai decidir se vai ratificar outras propostas de alterações aos regulamentos de disciplina e arbitragem.

O Regulamento de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol passou a prever que quem faça a nomeação dos árbitros tenha acesso aos relatórios técnicos. Mas as alterações estão suspensas até à homologação e posterior publicação do parecer solicitado pelo Governo português à Procuradoria-Geral da República, atendendo às normas constantes no Regime Jurídico das Federações Desportivas.


Apesar disso, o Regulamento de Arbitragem aprovado pela direção da FPF a 25 de junho passao permite que, nos artigos dedicados às secções profissional e não profissional, esta estrutura, responsável pela nomeação dos árbitros, consulte «os relatórios de avaliação técnica dos árbitros sob a sua jurisdição através da plataforma informática» e receba «da secção de classificações o resultado das decisões das reclamações, incluindo os pareceres emitidos pela CAR (Comissão de Análise e Recurso), apresentadas pelos clubes e árbitros afetos ao setor».

A intenção será promover a transparência na arbitragem e surge semanas depois de um final de época conturbado pela nomeação para a final da Taça de Portugal, disputada a 31 de maio, de Marco Ferreira, que viria a ser despromovido duas semanas depois.

Vítor Pereira, presidente do CA da FPF, já admitiu publicamente, em entrevista à SIC Notícias, que «se soubesse» da situação classificativa de Marco Ferreira «obviamente não o teria nomeado para a final da Taça».

 
Seja qual for o destino da votação, a Federação Portuguesa de Futebol executará o que sair da AG do próximo sábado.


COMPOSIÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DA FPF
 
Universo eleitoral – 84 delegados
 
55 eleitos
 -- 20 dos clubes profissionais
-- 8 dos clubes não profissionais
-- 7 dos clubes distritais
-- 5 do Sindicato dos Jogadores
-- 5 dos jogadores amadores
-- 5 dos treinadores das provas profissionais e não profissionais
-- 5 dos árbitros dos quadros nacionais e distritais

29 por inerência
-- presidente da Liga (Luís Duque)
-- presidente da ANTF (José Pereira)
-- presidente da APAF (José Fontelas Gomes)
-- presidente do Sindicato dos Jogadores (Joaquim Evangelista)
-- presidente da ANDIF (António Gonçalves)
-- presidente da ANEDAF (Manuel Amaral Cunha)
-- presidente da AMEF (João Pedro Mendonça)
-- os 22 presidentes de associações distritais 


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