A ameaça de boicotar as últimas cinco jornadas da Liga foi forma radical dos árbitros mostrarem desagrado pelo que consideram ser um incumprimento em relação aos valores que os árbitros deveriam receber pela presença nas competições profissionais.

Quase todos os árbitros dos escalões profissionais (a exceção foi Olegário Benquerença) enviaram ao Conselho de Arbitragem da FPF pedidos de escusa a partir da 30.ª jornada (logo a ronda em que se disputará o Benfica-FC Porto).

A Liga não tem reação oficial, mas, ao que o Maisfutebol apurou, o organismo liderado por Luís Duque considera que tem tudo em dia com os árbitros.

De onde vem, então, este diferendo que chegou a este ponto aparentemente tão preocupante?

Em causa está um valor de 350 mil euros, de que os árbitros se dizem credores e que a Liga não pagou. Ora, a Liga considera que não tem que pagar esse montante aos árbitros, uma vez que o contrato com a NOS («naming sponsor» do primeiro escalão profissional) é relativo à competição e não, em concreto, aos árbitros.

Em contraponto, os árbitros reivindicam uma remuneração pela exibição nos seus uniformes da NOS. Algo que, na sede da Rua da Constituição, no Porto, se interpreta como fazendo parte das obrigações da prova (os jogadores também exibem o nome do patrocinador sem receber mais por isso). 
  
Depois da ameaça, o diálogo

Os árbitros chegaram a ter um patrocínio direto, com a imobiliária ERA, do qual recebiam um montante. No entanto, esse contrato já terminou.
 
Pedro Henriques, antigo árbitro, comentador TVI para temas de arbitragem, contextualizou o problema, em intervenção ao início desta tarde, na TVI24: «Este problema não é de agora, o processo já se arrastava. Não foi uma coisa que os árbitros se lembraram de fazer de um dia para o outro».

O especialista em arbitragem lembra que «mesmo quando não havia patrocinador oficial, havia um acordo verbal». «Os árbitros não têm culpa que a ERA, a determinado momento, tivesse rompido. Neste momento, quem patrocina a camisolas dos árbitros é a NOS. A NOS entende que, ao ser sponsor da Liga, não tem que estar a dar dinheiro aos árbitros. É esse princípio que os árbitros contestam: consideram que têm que receber algo por estarem a fazer publicidade à NOS». 

A ameaça de paragem não é nova nos últimos anos da arbitragem profissional. Há ainda três semanas para evitar que se concretize. E depois da reivindicação, pode vir a hora do diálogo.

«Conhecendo o dr. Luís Duque como conheço, sei que ele vai fazer tudo para que se chegue a um acordo que evite que nos jogos decisivos do campeonato não haja árbitros profissionais», aponta Pedro Henriques.  

Direitos de imagem e publicidade

Pedro Henriques acrescenta: «Há alguns anos que a luta dos árbitros passa pelos direitos de imagem e de publicidade. Os árbitros querem ser ressarcidos. Até ao momento, a Liga não só não pagou os direitos publicitários relativos aos árbitros decorrentes do contrato da NOS como nem sequer chegou a um acordo sobre como o poderá fazer, em quanta tranches, em que datas...»

APAF quer solução «sem posições extremas»

José Fontelas Gomes, líder da APAF, citado pela Lusa, disse esperar que tudo se resolva sem necessidade  «posições extremas».

«Já temos vindo a falar do assunto há bastante tempo e continuamos a querer falar e dialogar sobre ele. Vamos obviamente tentar que as coisas se resolvam dentro do diálogo e em sede própria. Acredito que se resolva», apontou.

As próximas semanas serão decisivas. A jornada 30 começa a 25 de abril: «Olhando para este cenário a data limite [para resolução do problema] serão essas jornadas que os árbitros estão de dispensa», referiu.

E se houver mesmo boicote?

Bom, se houver mesmo boicote há, basicamente, duas alternativas: Vítor Pereira tem que nomear árbitros que não sejam dos escalões profissionais (talvez a hipótese mais fácil de concretizar, em caso de emergência) ou recorrerá a árbitros estrangeiros, algo bem mais difícil.

Fontelas Gomes considera que as eventuais soluções para que os jogos se realizem «são uma situação que ultrapassa a APAF». 

Pedro Henriques antecipa: «Estou convencido que a solução será encontrada a tempo e que não acontecerá a greve. Se acontecer, e como todos os árbitro já enviaram o pedido de escusa, com a exceção conhecida, e como os jogos não se podem realizar sem árbitros. Os árbitros de segunda categoria, aqueles que tiverem possibilidade de ainda subir, talvez não aceitem, porque sabem que esta situação também lhes pode tocar. Só talvez aqueles que, por limite de idade outra razão, já não tenham essa pretensão e possam ver aqui uma oportunidade. Como já se viu no passado, não há grande solidariedade nesse aspeto.»

E se tiverem que ser árbitros internacionais? «Dificilmente, porque sendo uma questão de luta por direitos, será de prever que árbitros estrangeiros sejam solidários. Isso aconteceu com o João Ferreira, que não foi à Irlanda, numa situação dessas».

Fernando Idalécio Martins, Beira Mar-Sporting, lembra-se?

Em agosto de 2011, e na sequência de um boicote dos árbitros aos jogos do Sporting, uma partida dos leões em Aveiro, para a Liga, foi dirigida por Fernando Idalécio Martins, árbitro que dirigia jogos dos distritais em Aveiro e que estava na bancada. João Ferreira acionou escusa (tinha sido o nomeado para a partida), Idalécio Martins dirigiu o encontro.

Como árbitro dos distritais ganhava 60 euros por jogo. Por ter dirigido o encontro auferiu... 1.188 euros

Cenário a repetir ainda esta época?