«A descida do River à segunda divisão foi algo assim como a caída do Império Romano.»

O
Clarín disse-o tão bem que é impossível descrever melhor a coisa. Um dos mais emblemáticos clubes do futebol mundial tinha ido para o inferno, naquele 26 de junho de 2011. Três anos depois, voltou a sorrir, num título de campeão que fez quase toda a Argentina, como diz o hino de el mas grande , a ficar com pele de galinha. A MF Total conta-lhe as chaves para o 35º troféu de campeão do River Plate. E até lhe podemos dizer já que um miúdo que segurou Radamel Falcao no River foi determinante para o desfecho.

Vencer quando se tem mesmo de vencer

Antepenúltima jornada do campeonato. A Argentina suspende-se para mais um clássico. O River Plate recebe o Racing Avellaneda, no Monumental. O Millonario entra em campo a saber que pode chegar ao primeiro lugar, depois dos empates de Godoy Cruz e Gimnasia de La Plata, frente a Velez Sarsfield e Lanús. O River chega a 3-1 e é esse o resultado a vinte minutos do fim. Mas a Academia reduz e o empate fica a um azar de distância.

O guarda-redes Marcelo Barovero é um dos pilares deste campeonato. Mas lesionou-se à 13ª jornada e a baliza é, desde então, defendida pelo bem menos experiente Leandro Chichizola. É ele quem está debaixo dos postes quando Ariel Rojas desvia a bola com a mão. O empate, afinal, estava a uma estupidez de distância, já com o relógio nos descontos finais!

O Monumental inteiro assistiu depois a um confronto de guarda-redes. O do Racing, Sebastian Saja, e Chichizola, o tal que segurou Radamel Falcao - o colombiano estreou-se a marcar frente ao Independiente, com um bis, e no segundo golo subiu a um placard de publicidade para festejar: Chichizola era um apanha bolas e foi ele que impediu que el Tigre caísse.




Saja atirou, Chichizola defendeu. Na recarga, a bola bateu na trave. Ali, naquele momento, todo o River começou a cantar
campeón, campeón, como os deuses do futebol a fazerem as pazes com a Banda Roja. 

Um dos momentos do campeonato  



Com apenas dois triunfos fora de portas em todo o torneio, o sucesso do River Plate passou por jogos como aquele: o Millonario venceu quando tinha mesmo de vencer. Por exemplo, ao Boca Juniors, num dia que ficou conhecido por Bombonerazo. Ou ainda ao San Lorenzo, ao Vélez Sarsfield e ao Newells. Também ao Argentinos, fora, na penúltima ronda. Foi um campeonato de jogos difíceis e vencidos no limite.

O ultimato ao treinador

Ramon Diaz teve de engolir o orgulho. Matias Almeyda tinha devolvido o River à primeira, mas saiu do comando técnico de forma abrupta. Mas quando o presidente Daniel Passarella lhe ligou, Diaz sabia que tinha de voltar a Nuñez, apesar das divergências que tinha com o Kaiser. Deixou-as de lado, ainda que na apresentação não se tivesse escusado de dizer: «Se eu fosse Passarella, já me tinha telefonado mais cedo.»

Ramon Diaz atirou-se ao trabalho, escudado em cinco troféus de campeão argentino e duas taças internacionais: Libertadores e Supertaça Sul-Americana. Esses sete títulos ganhos foram determinantes para o atual campeão. Qualquer outro treinador não tinha resistido. O River tinha sido segundo, mas também 17º nos dois torneios anteriores. E neste, Ramon Diaz recebeu um ultimato.

Os adeptos sempre estiveram na dúvida, mesmo que surgissem derrotas atrás de derrotas. Ramon Diaz era para ser respeitado. No banco não estava qualquer um. A direção que sucedera a Passarella prometera um novo River e tranquilidade. Mas quando a equipa chegou ao final da quarta jornada com uma vitória apenas, Ramon Diaz recebeu um ultimato: tinha três jogos para dar a volta à situação. Do mal o menos, o presidente Rodolfo D Onofrio resolveu dar mais tempo ao treinador. E no primeiro desses encontros, o River de Diaz venceu o clássico ao San Lorenzo, campeão do Torneio Inicial.



Muito criticado, até pelo facto de ter levado o filho Emiliano para a equipa técnica, Ramon Diaz acabou por ser um dos grandes vencedores deste semestre. Afastou das opções o capitão Leonardo Ponzio e acreditou no trabalho de outro veterano na mesma posição: Lobo Ledesma.

Assumiu que Cavenaghi tinha de voltar ao clube e ser o líder do balneário. Lançou Manuel Lanzini para um torneio em cheio e convenceu Teofilo Gutierrez a jogar futebol e apenas isso mesmo. No final, chorou, agarrado a Emiliano, mesmo antes de o último jogo da época terminar. «Foi o título que mais desfrutei, porque custou-me muito voltar», atirou nas celebrações.

Lanzini, a grande promessa

Ao olhar-se para o onze-tipo do River Plate neste campeonato é fácil identificar a espinha dorsal da equipa: Barovero, Maidana, Ledesma e Cavenaghi. Havia ainda Gabriel Mercado, o único do plantel que entra nas contas do selecionador da Argentina e um rapaz chamado Manuel Lanzini.



O camisola 10 do River Plate é a sua maior promessa também. Quando a equipa desceu à segunda divisão, Lanzini foi enviado para o Brasil. Erik Lamela fora transferido para Itália e, quando o Millonario voltou à primeira, não havia ninguém para usar pesada camisola 10 da Banda Roja.

Lanzini aprendeu do melhor Ariel Ortega, o jogador que substituiu quando se estreou pelo River. É, em campo, um jogador que segue o talento de antigos números 10 dos Millonarios, como Aimar, por exemplo. Em campo, com apenas 21 anos, Lanzini deu perfume ao ataque. Combinou com Teo Gutierrez, com Cavenaghi e ainda entendeu o jogo de homens com Carlos Carbonero, Rojas ou Villalva. O River jogou muitas vezes o que ele jogou. E não jogou, quando Lanzini não se conseguiu soltar no relvado.

Funes Mori, o outro, e o do Benfica

Este River Plate também foi forjado em nomes mais discretos dos de Cavegol, Teo Gutierrez ou Lanzini. Como Funes Mori, por exemplo. O defesa, irmão do avançado do Benfica, não é tão mal amado como o gémeo ponta de lança era, mas, mesmo assim, não está entre os prediletos da Hinchada.

Ramiro Funes Mori nunca foi um titular absoluto. Ora ocupava o lugar de Vangioni À esquerda, ora tinha de ser central, em substituição de Maidana ou Balanta. Kranevitter, Villalva, Gio Simeone, Pezzella foram alguns dos nomes que surgiram no onze e que tiveram influência neste Clausura. Foram, enfim, substitutos à altura.

Ainda assim, nenhum terá, para já, um pedaço de história como Ramiro. Na Bombonera, onde o River Plate já não ganhava há dez anos, e sem adeptos visitantes, Ramiro deu o triunfo no Superclássico sobre o grande rival. Foi um passo de gigante no título dos
gallinas, como são conhecidos os hinchas do River. 

 

Nas celebrações finais, Ramiro Funes Mori foi um dos procurados pelas reportagens. O herói do Bombonerazo entrou para a dimensão de herói e dedicou o título ao irmão Rogelio.

O trio da Colômbia

O regresso de Fernando Cavenaghi deu alma. O Torito foi o líder incontestável do grupo. Admirado pelos novos miúdos que a formação do clube deu (Lanzini, Kranevitter, Chichi, Pezzella ou Funes Mori), o ponta de lança terminou o campeonato com um bis. Ainda assim, num River que fez do Monumental um castelo quase inexpugnável (uma derrota apenas em casa), houve um trio de colombianos que também foram chave no título.

Um por setor: o jovem Balanta, formado no clube, Carlos Carbonero, um médio/interior direito promissor e ainda o homem que faz dupla com Falcao na Colômbia quando El Tigre está apto: Teófilo Gutierrez. Os três foram o complemento ideal àqueles que à frente de Barovero formavam a espinha dorsal da equipa.

Tudo somado, o River Plate chegou ao 35º título argentino, o Monumental voltou a parecer o Coliseu romano e os adeptos ficaram mesmo com pele de galinha e desataram a cantar...

Y el domingo vamos a ver a River
a ver a River, de corazon
por que este año de aca de Nuñez
de aca de Nuñez
salió el nuevo campeon

Si, si señores
Yo soy de River
Si, si señores
De corazón
Porque este año de acá de Nuñez
De acá de Nuñez
Sale el nuevo campeón