A esperança no futebol. Tantas vezes é assim e acontece mais uma vez na remota localidade de Mineo, na Sicília. Um grupo de migrantes africanos que tentaram passar da Líbia para Itália numa balsa tentam reconstruir a sua vida na equipa local, acreditando num futuro melhor, na Europa.

Os 25 jogadores amadores que fazem parte da equipa do ASD Mineo são todos africanos à procura de asilo político. Arriscaram as suas vidas no ano passado e ao contrário de muitos outros conseguiram ser resgatados a tempo, antes que o barco superlotado fosse ao fundo.

A equipa foi formada pelos responsáveis do centro de acolhimento de refugiados de Mineo, um dos maiores da Europa. Foi registada na mais baixa divisão de Itália, muito longe do esplendor da Série A, mas o objetivo é subir de escalão já no final da presente época. «Podemos continuar a subir até chegarmos ao topo», disse à agência Reuters Musa, jovem de 19 anos proveniente da Gâmbia após derrotar uma formação local por 4-0. Musa não quis dar o seu nome completo com medo de represálias contra a sua família.

O ASD Mineo está a ser visto como um teste à integração racial, aproveitando a tolerância social na região para alimentar o intercâmbio de experiências. No entanto, a Itália tem enfrentando graves problemas de racismo, apesar de algumas das principais equipas terem jogadores negros e muçulmanos. São conhecidas, a este propósito, as queixas de Mario Balotelli, curiosamente um jogador de ascendência ganesa e nascido na Sicília. O jogador do Milan só teve direito à cidadania italiana quando fez 18 anos.

«A imigração tem sido um terrível terreno de batalha para os políticos, mas o futebol pode ser usado como uma ferramenta muito útil contra o racismo», admite Maurizio Ambrosini, sociólogo na Universidade de Milão.



A Sicília é uma ilha que no mapa parece ser a bola chutada pela bota que é a Itália continental. É também um íman para os migrantes que querem deixar África e entrar na Europa. Tem sido assim nos últimos séculos e não é diferente nos dias de hoje, atraindo pessoas de regiões tão longínquas como a Índia ou Paquistão, mas a grande maioria vem da África sub-sahariana.

Só no ano passado a Itália recebeu 40 mil pessoas nestas condições e o foco tem estado na ilha de Lampedusa, mas muitos deles acabam por ser deslocados para o centro de acolhimento de Mineo, que fica numa localidade isolada junto ao monte Etna. São cerca de quatro mil migrantes de 40 nações, muitos deles aguardando uma decisão governamental há vários meses. Vários jogadores do ASD Mineo estão há mais de dez meses à espera de notícias das autoridades italianas.

Um deles é o defesa Mohammad, 19 anos, natural do Togo, que ficou órfãos aos 12 anos. «Na minha aldeia as pessoas chamam-me Balotelli e quando cheguei a Itália também começaram a chamar-me Balotelli», conta o jovem, que usa um corte de cabelo similar ao Balotteli original. Conta que depois de deixar a sua aldeia atravessou o deserto do Sahara, esteve preso na Líbia, mas conseguiu fugir e acabou por passar o Mediterrâneo de barco, chegando a Lampedusa.

Uma ideia solidária

Sebastiano Maccarrone, diretor do abrigo, é o responsável pela criação da equipa. Diz ter sido inspirado pelos jogos de rua que ia observando e isso levou-o a desafior um ex-jogador profissional de futebol a escolher os melhores.

«Foi difícil formar uma equipa, porque havia tantos bons jogadores por onde escolher», admite Giuseppe Manzella, um dos dois treinadores, revelando que os homens escolhidos receberam chuteiras e camisolas.

Os jogos são diferentes do habitual. Não só pela natureza dos jogadores, mas pelos próprios rituais. Antes da partida do último domingo seis dos jogadores removeram as suas canelerias e ajoelharam-se para cumprirem a oração muçulmana. Alguns adeptos que assistiam junto à linha lateral fizeram o mesmo. O preço da diferença pode ser bem elevado, mas o esforço realizado na Sicília vem demonstra que muito há ainda a fazer para lutar contra o racismo e a descriminação.