«Até ao Fim» é uma rubrica do Maisfutebol que visita adeptos que tenham uma paixão incondicional por um clube e uma história para contar. Críticas e sugestões para rjc.externo@medcap.pt

Paulo Cunha Cavaco (37 anos) e Bruno Vasconcelos (36) cresceram com o Amora. O Amora cresce com eles.

A amizade que o Estádio da Medideira juntou há cerca de 20 anos perdura. Acentuou o amor ao clube da terra, tanto que ambos, após pertencerem quase uma década à claque de apoio ‘Espírito Azul’, integram também hoje funções diretivas: Paulo na Mesa da Assembleia Geral e Bruno na direção, fazendo ambos parte do departamento de inovação do clube centenário em 2021.

O Sporting já esteve no coração de Paulo, mas o ataque a Alcochete, em 2018, fê-lo deixar de seguir o futebol de elite em Portugal. Bruno, o FC Porto, mas a ligação às raízes falou mais alto.

Paulo é sócio desde nascença. É de família. «O meu avô era dirigente do Amora, o meu pai também – quando estava na primeira divisão – e quando nasci colocaram-me como sócio. Desde pequeno habituei-me a ver o Amora, domingo após domingo, ainda com os meus avós. Lembro-me de passar fins de semana a ver, ao sábado de manhã, os iniciados e os juvenis e acabar, a um domingo à tarde, a ver os seniores. Depois, sensivelmente em 1998, o meu avô faleceu e continuei a ir à bola com a minha avó», lembra. Isso aconteceu cerca de quatro anos antes de conhecer Bruno, que é sócio desde 2003.

«Ainda era miúdo quando comecei a ir ver jogos do Amora, antes de 2003. Em 2003, surgiu a ideia de o meu grupo de amigos aqui da cidade apoiar o Amora mais recorrentemente. Juntámo-nos à claque porque já havia muitos miúdos. Iniciou em 2000, quando foi o jogo no Estádio da Luz e, quando entrámos, já éramos mais crescidos, ficámos à frente da claque e aí o Paulo aparece. A partir daí, foram largos anos a apoiar. A ligação ao clube e à cidade fez-me estar focado no Amora», frisa.

Foi esse jogo na Luz, ante o Benfica, uma derrota por 7-0 para a Taça em 2000, que deu outra perspetiva clubística a Paulo. «Nessa eliminatória, cada golo era celebrado na bancada do Amora e aquilo estava a revoltar por dentro», lembra. «As pessoas não percebem. Quando perguntam: “qual é o teu clube?”. É o Amora. “Não, o grande”. O grande é o Amora. “Ah, mas tem de se apoiar um clube da primeira divisão”. Não tenho, isso é uma centralização de ideias que não concordo», expõe, para completar, Bruno.

A «missa» e as viagens épocas, do Redondo ao Barreiro

As tardes de domingo são a «missa» para ver o clube do coração jogar. Palavra de Bruno: «ao domingo, às 15 horas, é o dia da missa. De ver o Amora». Jornada a jornada, organização em casa, com maior apoio na Medideira. Mas também fora, com histórias memoráveis. Do Redondo ao Barreiro, com viagens mais longas, imprevistos e episódios caricatos.

«Lembro-me de, no início da claque, termos um jogo com o Fabril, no Barreiro. Nenhum de nós tinha carta de condução e fomos até ao Seixal apanhar o barco até ao Barreiro. Fomos em excursão, com tudo o que era faixas e cachecóis até ao antigo estádio da CUF e foi um sinal de força, de que podíamos mobilizar gente. Na volta para Seixal, o barco ia primeiro ao Parque das Nações, só que acabou em Caçilhas. Tivemos de vir de autocarro para Amora, com faixas e bandeiras. Um jogo que terminou às 17 horas, chegámos a casa às 22. Só na volta, o que perdemos…», conta Paulo.

Já Bruno sublinha um jogo em Redondo, ante o Redondense, em 2019, com pouco mais de 300 quilómetros de ida e volta para a Amora e uma viagem lenta, numa caravana. «Saímos ainda não eram nove da manhã, fomos almoçar a Rio de Moinhos e depois fomos para Redondo. Depois, viemos pela nacional, a pessoa que tinha o carro vinha devagar [por causa da caravana]. Chegámos [a Amora] pelas 22h30 e o jogo tinha acabado às 17. Viemos devagar com tudo, mas foi uma paródia. À chegada, lá [a Redondo], fizemos vários diretos com os jogadores, a mostrar a deslocação. Eramos seis pessoas na caravana e, ao chegar lá, foi uma festa», atira.

Paulo e Bruno, ao fundo, com amigos, na deslocação a Redondo, em 2019

Na memória, ainda que com algum custo, está a eliminatória perdida para o Belenenses SAD, em 2018, na Taça de Portugal. A vantagem de 2-0 ao intervalo virou derrota por 4-3 no prolongamento. Ficou a derrota, mas também o sentimento de força humana na bancada. «Mais de 2.500 pessoas na Medideira a apoiar o Amora, todas as pessoas pagaram bilhete, criou-se uma dinâmica e começou a ver-se que o Amora é um gigante adormecido. A forma fervorosa como os adeptos festejaram os golos e a sensação de injustiça por não passar foi visível. Ninguém arredou pé sem aplaudir de pé a equipa», recorda Paulo.

«Conseguimos juntar 60 pessoas e os jogadores comentaram que nunca tinham visto nada assim»

Bruno lembra que, nos tempos de responsável na claque, havia formas para tentar angariar fundos que, a prazo, permitiram adquirir material, como os cachecóis da claque. E recorda a expressão «há muita gente que me conhece pelos cinco euros». Porquê? Era Bruno, então, que recebia uma quota de inscrição para ingresso na claque. «Nas deslocações, o clube ajudava e, por ada deslocação, eu levava um euro. Bilhete e autocarro, um euro. Conseguimos reunir perto de 600 a 700 euros e fizemos os cachecóis. Uma dinâmica que, na altura, ninguém estava à espera», garante.

Por outro lado, a dupla salienta o espírito jovem que foi cultivado ao longo dos anos, por gerações, no apoio ao Amora, que conta com cerca de 1.500 sócios pagantes. Bruno e Paulo estão agora de outro lado, mas sempre na Medideira e à procura de soluções para manter as pessoas ligadas ao clube da terra. «Temos uma população bastante grande na cidade e que podemos atingir. O meu objetivo e sonho é o Amora, não ser só um clube referência na cidade, mas da própria região», expressa Paulo.

«Muito desse espírito foi transportado para os dias de hoje. Nós já não pertencemos à claque, mas vimos com esse conceito, criamos merchandising para adeptos, dinâmicas para oferecer bilhetes a adeptos e isto é mobilizar as pessoas», acrescenta. Como exemplo dá a primeira grande deslocação ao Amora após o regresso aos campeonatos nacionais, há dois anos. «O Amora ia jogar aos Açores, com o Praiense. Nós, por brincadeira, a uma quarta-feira, começámos a pedir às pessoas para concentrarem junto ao estádio. Conseguimos juntar 60 pessoas a assistir à partida do autocarro, os jogadores vieram agradecer o apoio e eles próprios comentavam que, no CP, nunca tinham visto uma coisa assim».

Para futuro breve, e com a equipa feminina também na primeira liga, ambos garantem fazer tudo de adepto para adepto, no apoio ao clube azul. Das equipas principais às camadas jovens, como faziam quando eram miúdos. «Quem sente isto como nós, como a nossa cidade, é um orgulho ver o estádio cheio. O meu desejo é que haja cada vez mais pessoas a apoiar o clube. Venham à Medideira, apoiem o Amora», conclui Bruno.

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