«Até ao fim» é uma rubrica do Maisfutebol que visita adeptos que tenham uma paixão incondicional por um clube e uma história por contar. Críticas e sugestões para spereira@mediacapital.pt

Chama-se Pedro Sá Nogueira, tem 47 anos, é advogado e é um benfiquista doente. Frequenta o Estádio da Luz desde que era criança e gosta de levar o Benfica com ele para todo o lado.

Na praia usa há anos, por exemplo, uma toalha oficial do Benfica. Uma vez, meteu na cabeça que havia de hastear aquela toalha no mastro onde o nadador-salvador iça a bandeira verde, amarela ou vermelha, conforme o mar manda. E acabou mesmo por fazê-lo.

«Andei o verão todo a pedir ao nadador-salvador para me deixar hastear a toalha. Ele sempre a dizer que não, que naquele dia não podia ser, que havia muita gente na praia», recorda.

«No último dia de férias, antes de regressar a Lisboa, disse para mim que tinha que ser. Aproveitei uma distração do nadador-salvador, retirei a bandeira da praia e hasteei a toalha do Benfica.»

A reação dos outros banhistas que estavam na praia do Moledo, no Minho, foi imediata.

«Os benfiquistas ficaram todos contentes. Começaram logo a bater palmas e a cantar o hino. Os sportinguistas eram poucos, mas os portistas ainda eram bastantes e não gostaram, claro. O normal, assobios e tal. Entretanto aparece rapidamente o nadador-salvador a mandar tirar a bandeira.»

Afinal de contas o que Pedro Sá Nogueira tinha acabado de fazer era um contra-ordenação e os dois podiam ter problemas com a polícia marítima. Mas o advogado veio embora satisfeito, com o sentido de dever cumprido, e ainda conseguiu tirar umas fotos com os filhos.

A paixão pelo Benfica, essa, vem do berço.

Pedro Sá Nogueira nasceu benfiquista e habituou-se a ir ao Estádio da Luz desde os dez anos, levado por uma tia também ela ferrenha, que até tinha um cativo coberto no antigo recinto.

Aos doze anos, Pedro convenceu a tia a ir para a zona dos Diabos Vermelhos e começou a frequentar a claque, mas essa fase terminou quando a direção encarnada mudou a claque da central para um dos topos. O advogado nunca foi adepto de ficar na curva por detrás da baliza.

«Nessa altura fundei uma claque: a Raça Benfiquista. Na verdade, não foi bem fundar, foi refundar, a claque já tinha existido. Tinha uns duzentos ou trezentos membros e ficava no terceiro anel.»

Era a década de oitenta e as claques eram nessa altura bem diferentes: não criavam problemas, não ameaçavam ninguém e não precisavam de ser acompanhados por cordões policiais.

«A direção deu-nos uma arrecadaçãozinha minúscula no Estádio da Luz para guardarmos as bandeiras, com a contrapartida de nos portarmos bem. Numa altura em que se fala tanto de apoio às claques, é engraçado que nessa altura era todo o apoio que recebíamos do clube.»

A ideia de refundar a claque Raça Benfiquista, que durou ainda uns anos, surgiu depois de Pedro Sá Nogueira ter arranjado uma bandeira enorme e personalizada: uma bandeira especial.

«Eu tinha uma bandeira de guerra japonesa enorme, com um diabo no centro no lugar do círculo vermelho. É uma bandeira muito vista nos aviões de guerra japoneses e que na altura estava na moda. Depois várias outras claques também adotaram aquela adaptação», conta.

«Mas aquela era minha, fui eu que pedi à minha tia de prenda de anos. Peguei na bandeira de guerra japonesa e fiz um desenho com o diabo, depois a minha tia foi fazê-la à Casa das Bandeiras.»

Hoje continua a não falhar um jogo no Estádio da Luz, onde tem lugar cativo ao lado do filho, companheiro inseparável de todos os jogos. Uma vez por outra acompanha o Benfica fora.

«Já fui mais aos jogos fora. Antigamente, na altura da claque, ia muito. Agora menos. Quando o Benfica perde, o regresso a casa é horrível. Quando ganhamos é divertido, mas quando perdemos é uma chatice. Lembro-me do regresso de Turim, da final da Liga Europa, ter sido horrível.»

Dessa altura, da altura da Raça Benfiquista, guarda de resto boas memórias e um sorriso que uns namoriscos ainda lhe provocam. Nada de especial, coisas da idade.

Afinal de contas o Benfica já lhe trouxe dele muitas histórias e grandes momentos: e é nisso que o futebol é melhor, em encher a nossa vida de recordações de sorriso no canto da boca.

Como daquela vez que hasteou a toalha do Benfica na praia de Moledo.

Artigo original: 26/11/19; 23h50

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