«Até ao fim» é uma rubrica do Maisfutebol que visita adeptos que tenham uma paixão incondicional por um clube e uma história para contar. Críticas e sugestões para mgandrade@mediacapital.pt

O «senhor Zé», como é conhecido, tem 61 anos e quase seis décadas de amor ao FC Porto. «Começou tudo em pequenino. O meu pai era portista e ia ao futebol, começou a levar-me e o bichinho foi crescendo. Cresceu e não me larga», começou por dizer ao Maisfutebol.

José Conceição é um adepto de todas as horas. Desde os treinos aos jogos, e engane-se quem pense que só estamos a falar de futebol sénior. «Eu vou a todo lado. Desde os treinos e jogos dos sub-12 aos seniores, no futebol, e aos treinos e jogos das modalidades, mais do hóquei em patins e basquetebol, mas de todos os escalões. Acompanho tudo», referiu.

E esse «tudo», faz-lhe os dias há vários anos.

«A minha vida é essa, então agora que já estou reformado é que é mesmo só essa. Acordo às sete e às oito já estou no Campo da Constituição a ver os treinos da formação, saio ao meio dia, para almoçar, e volto depois para os treinos da tarde», contou, acrescentando a rir: «Passo lá mais tempo do que os funcionários.»

O operário reformado já faz isso há vários anos, mesmo quando ainda trabalhava na fábrica de placas metálicas mesmo ali ao lado do Campo da Constituição. «Sempre fui de acordar cedo e como tinha flexibilidade na fábrica, entrava às seis e quando os meus colegas chegavam às nove eu já tinha o meu trabalho praticamente feito, então depois saía para ir ver os treinos. Eles ligavam-me só se fosse preciso alguma coisa porque a fábrica era ali a cinco minutos», contou.

Ainda assim, da fama de arranjar desculpas no trabalho por causa do FC Porto ninguém o livra. É que o «senhor Zé» chegou a inventar funerais e ainda esta terça-feira, em que foi ao jogo dos sub-19 de Portugal no Bessa, lhe falaram sobre isso: «Um pai perguntou-me se tinha inventado mais um funeral (risos), mas não. Disse-lhe que não porque agora, como estou reformado, já não preciso disso.»

«O que fazia era simples. Por exemplo, à segunda-feira, sabendo que havia um treino na quarta à tarde, dizia que tinha um funeral e perguntavam-me ‘mas hoje é segunda, como é que já sabes do funeral na quarta?’, dizia que a pessoa estava muito doente no hospital e que ia morrer na terça», afirmou entre risos.

Brincadeiras, sempre levadas nesse sentido: «Eles sabiam que era mentira, que era tudo na brincadeira, porque sabiam que o que eu ia fazer e gostava era de ir ver os treinos dos miúdos.»

E os miúdos, no fundo, também gostavam de contar com o «senhor Zé» nos treinos e há muitos, que até já deixaram o FC Porto, que não o esquecem e que também não esquecem o que ele lhes chegou a dar após os treinos.

«Houve uma altura em que, devido a questões de saúde, tinha de levar o lanche e enchia a mochila de maçãs e pacotes de bolachas que depois também lhes dava a eles. Acabavam o treino e iam para a escola, mas antes comiam o que eu levava. Houve semanas a ter de comprar 12 kg de maçãs (risos).»

Gestos que fazia, e faz, «sem querer nada em troca, por simpatia e dedicação» e que também marcam, de certa forma, vários jogadores da formação azul e branca. «Também hoje [esta terça-feira], o Jota, que está nos juniores do Rio Ave, me viu e me falou das maçãs. Disse que tinha saudades», revelou.

Gonçalo Paciência e o irmão Vasco, Diogo Dalot e tantos outros, são jogadores que sabem perfeitamente quem é o «senhor Zé» e, por exemplo, João Costa, atual guarda-redes dos espanhóis do Cartagena, já demonstrou também saber que este adepto incondicional estava, e está, sempre na bancada.

«Foi campeão em todos os escalões de formação e quando foi campeão pela equipa B deu-me a camisola dele e disse-me que eu tinha sido a única pessoa que tinha estado em todos esses campeonatos que ganhou», contou orgulhoso.

E, se no futebol a relação com os jogadores é assim, nas modalidades não fica atrás, por isso José Conceição tem «um minimuseu» em casa. «Tenho umas 80 camisolas, todas dadas e nenhuma comprada, que me foram oferecendo», revelou, acrescentando: «Não só do FC Porto, também tenho de outros clubes porque, quando saem e regressam para jogar aqui, me as oferecem.»

Ainda assim, nunca anda vestido «à FC Porto». «Não, não. Prefiro guardá-las e andar sem adereços», disse, contando que, contudo, na bancada não passa despercebido: «Não consigo ficar calado, estou sempre a dar indicações para dentro de campo: ‘olha o fora de jogo’, ‘mete a bola para ali’, ‘sobe’… eu bem sei que está lá dentro um treinador, mas não consigo deixar este lado de treinador de bancada (risos).»

«No fundo é para os ajudar», acrescentou, dizendo que as derrotas não o chateiam: «Nada disso, e também acho que faz bem perder sobretudo quando se é mais jovem. Isso fá-los crescer. Mas as derrotas nos seniores também não me abalam a paixão. Vou para casa, como, durmo e no dia seguinte tenho mais treinos para assistir.»

É assim, todos os dias, mas em maio José Conceição espera festejar o título da equipa orientada por Sérgio Conceição: «Não dependemos de nós, mas acredito que se ganharmos os jogos todos somos campeões. É o meu feeling, porque acho que o Benfica vai perder pontos. Temos de fazer o nosso trabalho.»

[fotografia Porto Canal: Cadeira de Sonho - Sr. José]

Até ao fim...

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(artigo originalmente publicado às 23h55 de 26/03/2019)