A Comissão Independente (CI) criada pela Agência Mundial Antidopagem (AMA) para investigar o escândalo de doping que abalou toda a estrutura do atletismo mundial já apresentou a segunda parte das conclusões. Depois da suspensão da Rússia numa primeira instância e já com altos dirigentes demitidos, expulsos ou detidos, a Federação Internacional das Associações de Atletismo (IAAF) é a principal visada no segundo relatório agora divulgado. Por enquanto, só o atual presidente sobrevive ao abalo.

Como rebenta o escândalo
Em dezembro de 2014, o documentário «Doping confidencial: como a Rússia fabrica os seus vencedores?» da estação alemã ARD denunciou um escândalo de casos de doping no atletismo russo e o encobrimento de responsáveis da federação internacional (IAAF). A Agência Mundial Antidopagem (AMA) criou uma Comissão Independente (CI) liderada por Dick Pound, antigo presidente da AMA. Após a difusão de um segundo documentário pela mesma estação, «Doping confidencial: o mundo sombrio do atletismo», em que forma denunciados atos de corrupção no encobrimento de casos de doping, com particular incidência no atletismo do Qúenia, a CI ficou encarregada de alongar a sua investigação também a estes casos.

As conclusões da investigação
A primeira parte do relatório da CI foi divulgado em novembro último com conclusões devastadoras para a Rússia pedindo a suspensão do país em todas as competições de atletismo, que incluem os Jogos Olímpicos Rio 2016. As acusações à Rússia implicaram desde os atletas e treinadores passando pelas instâncias desportivas e chegando até ao estado na existência de um esquema de dopagem montado. Nesta quinta-feira, foi divulgada a segunda parte do relatório em que a IAAF é a principal visada até ao topo da sua estrutura e ao anterior presidente, Lamine Diack. «Claro que houve encobrimento e atrasos e todo o tipo de coisas. Se não o reconhecermos não o conseguimos ultrapassar», afirmou agora Dick Pound. Richard McLaren, membro da comissão, revelou que a informação recolhida «indica claramente que a disrupção da federação emanava do topo – o presidente Lamine Diack.» O relatório agora divulgado acusa Diack de ser «responsável por organizar e possibilitar a conspiração e corrupção que aconteceram na IAAF» tendo criado «uma ilegítima estrutura informal de governo». «Começou com o presidente da organização. Envolveu o tesoureiro da organização. Envolveu o conselheiro pessoal do presidente agindo por instruções do presidente. Envolveu o diretor do departamento médico antidoping da IAAF», refere o relatório.



Quem são os principais visados
A Rússia está suspensa de todas as competições internacionais de atletismo, bem como a agência antidopagem russa deixou de ser reconhecida – suspensão que o atletismo russo aceitou. Previamente a estas decisões já Lamine Diack se tinha demitido da presidência da IAAF; o seu filho Papa Massata Diack demitiu-se de consultor da federação internacional; o presidente da federação russa, Valentin Balakhnichev demitiu-se do cargo no seu país e de tesoureiro da IAAF – este três foram irradiados pela federação internacional; e o diretor antidoping da federação internacional, Gabriel Dolle, também se demitiu – este foi suspenso pela IAAf por cinco anos. Lamine Diack foi detido pelas autoridades francesas por suspeita de subornos superiores a um milhão de euros por encobrir testes positivos de doping, assim como o seu conselheiro pessoal e legal, Habib Cissé, também foi preso. A Interpol emitiu também, a pedido da polícia francesa, um mandado de captura para Papa Massata Diack, por suborno, lavagem de dinheiro e corrupção. Não obstante as individualidades implicadas, o relatório da CI frisa que a corrupção na IAAF «não pode ser assacada a um grupo reduzido de descrentes» e que «o conselho da IAAF não podia desconhecer a extensão do doping no atletismo e a não aplicação das regras antidoping» concluindo que «a corrupção estava impregnada na organização». «A IAAF permitiu que houvesse esta conduta e tem de aceitar a sua responsabilidade. A contínua negação simplesmente torna mais difícil fazer progressos genuínos», dizem as conclusões.



A posição do atual presidente
Sebastian Coe sucedeu a Lamine Diack em agosto do ano passado e é o atual presidente da IAAF. Apesar da extensão de responsabilidades atribuídas pelo relatório, a CI defende a continuidade do antigo campeão olímpico no cargo. Coe ficou sob grande pressão, pois desde 2007 que era vice-presidente da IAAF. O relatório divulgado nesta segunda-feira diz ainda que o braço-direito de Coe, Nick Davis, que se demitiu do cargo de secretário geral no mês passado, estava «bem ao corrente dos esqueletos no armário da Rússia». Ainda nesta quarta-feira, o presidente da IAAF tinha dito que não houve encobrimento de casos de doping pela federação; e de já ter classificado, na sua tomada de posse, como «simplesmente incorretas» as acusações de cumplicidade da IAAF com o escândalo de doping. Dick Pound foi confrontado com estas contradições: as conclusões referirem o conhecimento por parte do conselho da IAAF e dizer que o organismo está em negação, por um lado, e a defesa de Coe, por outro. Pound disse «não» acreditar que Coe tenha mentido sobre a dimensão do escândalo, assim como atestou o atual presidente, presente na divulgação do relatório, como o homem indicado para o que se segue: «É uma responsabilidade fabulosa para a IAAF buscar esta oportunidade e, sob forte liderança, avançar.» «Há uma imensa quantidade de recuperação reputacional que precisa de acontecer aqui e não consigo pensar em alguém melhor que o Lord Coe para liderá-la», disse o presidente do CI.

As questões ainda sem resposta
A Rússia está suspensa das competições oficias de atletismo e a presença nos Jogos Olímpicos Rio 2016 mantém-se uma incógnita. «O que acontece é que eles estão fora. Respeita-lhes a eles convencerem as autoridades. O problema é deles. Acredito que se a Rússia quiser resolver o problema, consegue-o. Se o fizeram não sei», afirmou Dick Pound. No relatório ficou também levantada outra questão que põe em causa o processo de candidatura dos Jogos Olímpicos 2020, que acabou por ser ganho pelo Japão. Várias transcrições de conversas apontam para a perda de apoios pela Turquia devido ao facto de a candidatura turca não ter feito contribuições quer para a Diamond League quer para a IAAF, o que os japoneses terão feito. Depois desta revelação, o relatório frisa que «a CI não investigou mais este assunto por não estar dentro das competências» destinadas. Mas o relatório Pound não deixa de acrescentar que «pode haver razões para acreditar que altos dirigentes da IAAF e outros em seu nome podem ter beneficiado de decisões da IAAF na atribuição a certos países e cidades dos campeonatos do mundo de atletismo».