Erriyon Knighton tornou-se o quarto mais rápido da história a correr os 200m num sábado e na segunda-feira seguinte voltou ao liceu. «Estou agora na aula de álgebra», escreveu no Twitter, a responder a um colega da equipa olímpica norte-americana.

Talvez seja boa altura para começar a fixar este nome, o nome do miúdo de 18 anos que está a superar as marcas e o ritmo de progressão de um tal Usain Bolt. Em maio do ano passado, bateu o recorde sub-18 dos 200m do maior velocista da história. E no final de junho pulverizou, com 19.88s, a melhor marca de sempre em sub-20 (19.93s), que também pertencia ao jamaicano e que ninguém superava desde 2004. No dia seguinte baixou o tempo para 19.84s.

Uma promessa... no futebol americano

O jovem natural de Tampa, na Flórida, é o novo grande fenómeno da velocidade, mas estava muito longe disso até há três anos. Na verdade, o desporto dele era o futebol americano. No liceu Hillsborough High era um promissor e rápido «wide receiver», já a chamar a atenção de várias universidades. O professor de atletismo da escola, Joseph Sipp, percebeu rapidamente o potencial de Knighton para a pista e ele acabou por aceder a experimentar, de início apenas como uma forma de melhorar a técnica e a velocidade para o futebol. Sipp contou ao jornal Tampa Bay Times que Knighton passava pelos outros «como se estivessem parados».

Knighton, como ele próprio diz, também percebeu depressa que era rápido. «Só comecei a praticar atletismo no nono ano. Antes disso, podiam perguntar-me o que eram os 100 metros que eu não sabia. No final desse ano, percebi que era diferente dos outros e mais rápido do que a maioria das pessoas», disse à BBC.

O futebol americano ainda continuou a ser prioridade, mas depois aconteceu a pandemia. Sem competição, Knighton focou-se no atletismo. «Podia ter sido diferente se a época escolar tivesse continuado. Provavelmente ainda estaria a jogar futebol se tivesse tido esse ano extra», diz na mesma entrevista.

No verão de 2020 chegaram os primeiros recordes. Correu os 200m em 20.33 segundos, destroçando o anterior máximo sub-16, que era de 20.62 segundos. Foi nessa altura que escolheu a pista e deixou em definitivo para trás o futebol americano. Com a opção de se tornar profissional logo em janeiro de 2021, antes de completar 17 anos, abdicou da hipótese de vir a receber uma bolsa universitária para se focar na competição ao mais alto nível.

Da ultrapassagem a Bolt a Tóquio

O objetivo era desde logo os Jogos Olímpicos de Tóquio. E Knighton acelerou. Logo em maio de 2021 correu os 100m abaixo da barreira dos 10 segundos, em 9.99s, mas com condições de vento acima do limite para a marca ser contabilizada. Foi nos 200 metros que se distinguiu, passando pela qualificação olímpica norte-americana com aquelas tais marcas que superaram os registos de Bolt em dois dias consecutivos.

Ganhou lugar nos Jogos Olímpicos. Em Tóquio venceu tranquilamente o primeiro «heat» e a sua série na meia-final. Tornava-se aos 17 anos o mais jovem em 125 anos a correr uma final individual olímpica de pista. Terminou em quarto lugar, atrás do canadiano Andre de Grasse e dos seus compatriotas Kenneth Bednarek e Noah Lyles.

Foi duro e não evitou as lágrimas no túnel, no final da prova. «Estava obviamente perturbado», contou Mike Holloway, um dos seus treinadores, à NBC. «Eu disse-lhe: ‘Lembra-te como te sentes. Em cada treino no próximo ano, lembra-te de como te sentes agora e que não queres voltar a sentir-te assim.»

Knighton está só a começar, como ele próprio nota à BBC. «Em Tóquio fiquei chateado por ter perdido, mas tinha de pensar no quadro geral e no longo prazo. Em 2028, daqui a dois Jogos Olímpicos, tenho 24 anos, ainda serei jovem», observa: «À medida que crescer vou tornar-me mais forte e mais rápido. Ainda não sou o atleta de 200m perfeito, ainda estou a aprender à medida que corro.»

Um recorde de gente grande

A aprender depressa. Nesta primavera, apareceu ainda mais rápido. A 30 de abril, num meeting em Baton Rouge, Louisiana, correu os 200 metros em 19.49 segundos.

Até hoje, só três atletas fizeram melhor, todos em idade bem mais avançada do que ele: além de Bolt, que tem o recorde do mundo com 19.19s e vários outros melhores tempos de sempre, o também jamaicano Yohan Blake, que o conseguiu por uma vez em 2011, e por fim outra lenda da distância, o norte-americano Michael Johnson, que nos Jogos Olímpicos de 1996 fixou um mítico novo máximo mundial em 19.32s.

Até Erriyon ficou surpreendido com a marca que fez. «Sabia que havia de conseguir, mas não pensei que chegasse tão cedo na época. Nem tão cedo na minha carreira. Pensava que ia correr em 19.4, sei lá, aos 20 anos, quando fosse mais velho e mais forte», disse à NBC.

O tempo que conseguiu agora daria para levar tranquilamente o ouro em Tóquio, o que dá a medida da incrível progressão de Knighton, mesmo quando comparada com Bolt.

Knighton mede 1.91m e ainda está em crescimento. A sua altura, além da qualidade e do trabalho de evolução técnica, é uma das explicações para o fenómeno, na opinião de John Regis, o seu agente, que é o recordista britânico dos 200m. «A velocidade é cobrir terreno. Se eu conseguir mover as pernas ao mesmo ritmo de alguém que tem 1,75m e tiver 1.91m, vou ganhar sempre. É isso que o Erriyon faz. Ele consegue gerar enorme velocidade e cadência na sua passada longa», afirmou o antigo atleta ao Wall Street Journal. Além disso tem uma abordagem descontraída, acrescenta: «Não há tensão. Ele diverte-se de facto com o que faz.»

A atitude é descontraída também fora da pista. No liceu, continuou a ser apenas só mais um. «No início do ano escolar muita gente quis tirar fotografias comigo. Acho que até assinei um autógrafo, foi caótico a esse ponto. Agora acalmou. Toda a gente passa por mim e só diz ‘Olá, Erriyon’», contou à BBC.

Agora, entrou de vez na elite. No final deste mês, vai aliás faltar à cerimónia de formatura do liceu para correr os 100 metros no Prefontaine Classic, um dos principais meetings do calendário internacional, que decorrerá em Eugene, Oregon, na mesma pista que em julho vai receber o Campeonato do Mundo de atletismo.