Acabou a era Sebastian Vettel. A Fórmula 1 entrou numa nova fase em 2014 e a mudança que se avizinhava concretizou-se mesmo. O fim dos motores V8 aspirados significaram, também, o fim do domínio da Red Bull, que valeu quatro títulos consecutivos ao alemão.

Emergiu, assim, a Mercedes. Mas, ao contrário do que sucedia na rival austríaca, a temporada não teve um nome mas dois. Apesar de esmagar no número de vitórias (11 contra 5), Lewis Hamilton foi campeão apenas na última corrida do ano, quando Nico Rosberg caiu, de vez. Caiu de pé. Mas já lá vamos.

Como prometido, a Fórmula 1 mudou. Não agradou a todos e não será, por isso, unânime que tenha mudado para melhor. Ainda assim, mesmo que num campeonato a dois, a temporada de 2014 foi bem mais equilibrada do que a anterior.

Alternou espetáculos fantásticos, como Bahrain ou Canadá, do melhor que se viu em muitos anos, com corridas medíocres, com a Rússia, em estreia, à cabeça.

Em dez pontos, fica o balanço de uma temporada que marca um ponto de viragem numa Fórmula 1 que já viveu melhores dias. Mais mudanças adivinham-se para breve, estas provocadas por uma depauperização evidente do grid. Temas para outras dissertações.

Para já, a temporada de 2014 em dez pontos-chave:

- Hamilton e o bicampeonato com maior amplitude de sempre. Precisou esperar seis anos e até trocar de equipa, o inglês, para voltar a festejar um título na Fórmula 1. Depois da vitória na última curva em 2008, no Brasil, Hamilton teve um ano bem mais dominante, mas devido à irregularidade inicial, alternando vitórias com abandonos, só na última corrida fechou as contas. Ganhou 11 Grandes Prémios, mais de metade, e, só por isso, já seria um campeão justo. Igualou Graham Hill com o bicampeonato mais longo de sempre, com os tais seis anos de invervalo.

-A consolidação de Nico Rosberg. Quando Lewis Hamilton se mudou da McLaren para a Mercedes, em 2013, havia duas certezas na crítica: o inglês dera um aparente passo atrás e seria, claramente, o número um da equipa. Nico Rosberg, muitas vezes desvalorizado até então, explodiu definitivamente este ano. Ganhou menos do que o companheiro e rival (cinco vezes), mas até foi, durante mais tempo, líder do campeonato, fruto de uma regularidade impressionante: à nona corrida, em Silverstone, teve o primeiro abandono; até lá o pior resultado fora…um segundo lugar. Em toda a época só terminou duas corridas fora do pódio. Foi quarto na Hungria e 14º em Abu Dhabi, numa prova em que, em condições normais, teria abandonado por problemas mecânicos, mas que insistiu em terminar. Não foi este ano que o filho de Keke Rosberg repetiu o feito do pai e chegou ao título, mas afirmou-se, de vez, como um dos candidatos a consegui-lo já em 2015.

-A pior defesa do título de sempre. Antes de 2014 parecia impossível travar Sebastian Vettel. Neste momento, impossível é perceber o que aconteceu ao tetracampeão. É verdade que a Red Bull não teve, este ano, o poder de outros tempos, mas até por Daniel Ricciardo, seu colega de equipa, estreante na equipa, o alemão foi sistematicamente batido. Não venceu uma única corrida e soma, portanto, 19 Grandes Prémios sem ganhar. Depois de ter ganho a primeira, ainda na Toro Rosso, nunca tinha ficado mais de nove. Fica a expectativa para saber como será para o ano, na Ferrari.

-Surpresa do ano: Daniel Ricciardo. O australiano chegou à Red Bull para suceder a Mark Webber e parecia destinado a um papel secundário, na sombra do tetracampeão Vettel. Puro engano. Mostrou ao que vinha conseguindo um pódio logo na Austrália, que lhe foi retirado por desqualificação, mas voltaria lá. E com estrondo. No Canadá somou a primeira vitória da carreira e terminou a época com três vitórias. Foi o único não Mercedes a ganhar e, em 2015, ao lado do jovem Daniil Kvyat, será a grande aposta da Red Bull para resgatar o título.

-Deceção do ano: Kimi Raikkonen. A sua contratação pela Ferrari foi deveras surpreendente. Não pelo valor do piloto, um dos melhores do grid, mas por ser um regresso a uma casa de onde não tinha saído nos melhores termos e devido ao seu peculiar e famoso feitio. Temeu-se que a convivência com Fernando Alonso fosse dura. Afinal, eram «dois galos para o mesmo poleiro». Mas o tema nunca surgiu por dois motivos. Primeiro porque a Ferrari nunca esteve perto, sequer, das vitórias. Depois porque Raikkonen não teve nada a ver com o que se viu na Lotus, perdendo o espírito combativo que fez lembrar os seus melhores anos. Uma deceção autêntica.

-O renascimento da Williams e a queda da Lotus. Entre as equipas, as principais diferenças do ano passado para este estiveram na Williams e na Lotus. A primeira, pela positiva. A escuderia de Grove apostou em Felipe Massa ao lado de Valtteri Bottas, apresentou, provavelmente, o carro mais bonito do pelotão e, mais importante, cresceu a olhos vistos. Somou pódios, ameaçou vitórias. Foi terceira no Mundial de Construtores e viu Bottas terminar o campeonato em quarto, atrás dos três pilotos que venceram corridas este ano. Nada mau, portanto. Já a Lotus, foi uma desilusão. Atrasou o desenvolvimento do carro e, depois, foi sempre a descer. Romain Grosjean tentou maquilhar a crise, somando alguns pontinhos. Pastor Maldonado, que, curiosamente, deixara a Williams para tentar mais sucesso noutras paragens, voltou a ter um ano para esquecer.

-O fim da era Alonso na Ferrari. Grande aposta da escuderia de Maranello em 2010, Fernando Alonso esteve quatro anos na Ferrari, mas nunca conseguiu o objetivo a que se propôs: chegar ao tricampeonato. O tempo passa e o espanhol continua a falhar entrar no grupo seleto dos tricampeões. Este ano nem uma corrida venceu, uma anormalidade. No final, anunciou a saída. Ainda não é oficial, mas o seu futuro será a McLaren, à espera que a Honda revitalize a equipa e, à semelhança do que fez Hamilton, com um passo atrás possa dar dois em frente.

-As novas regras. Motores trocados, pesos mínimos alterados, pontos a dobrar no final. A Fórmula 1 operou uma mini-revolução este ano que teve como consequência imediata a ascensão da Mercedes, a equipa que melhor se preparou para a nova era. Desde a McLaren de Ayrton Senna e Alain Prost que não havia uma equipa tão dominadora na Fórmula 1. Os pontos a dobrar na última corrida não tiveram (felizmente) influência na decisão do campeão. Para o ano já não voltam.

-A crise, claro. Impossível abordar a temporada de 2014 da Fórmula 1 sem lembrar a crise que levou a que, pela primeira vez em muitos anos, duas das corridas se fizessem com menos de vinte carros em pista. Caterham e Marussia falharam os Grandes Prémios dos EUA e Brasil devido a imensos problemas financeiros que levaram a que entrassem em administração judicial. A Caterham ainda voltou para Abu Dhabi, a Marussia fechou portas. Em 2015, como será? Ninguém arrisca prognósticos.

-O fantasma da morte voltou a aparecer. O campeonato começou ainda com o acidente de esqui de Michael Schumacher na cabeça de muitos, já que o heptacampeão do mundo continuava a lutar pela vida. Mas se a época arrancou mal, pior ficou. No GP do Japão, debaixo de uma chuva torrencial, Jules Bianchi perdeu o controlo do seu Marussia e embateu com violência na grua que retirava o Sauber de Adrian Sutil, que se despistara na volta anterior. O francês continua em estado crítico. O universo Fórmula 1 comoveu-se e, mais do que nunca desde a partida de Ayrton Senna, voltou a encarar o fantasma da morte.