A Espanha acordou de luto: Severiano Ballesteros faleceu esta madrugada e com ele levou uma paixão inigualável pelo golfe. Para sempre, e para a humanidade, deixou o testemunho de uma história que nos enche a alma. Há meio século era impensável que alguém como ele fizesse carreira no golfe.

Mas ele fez. Mais do que isso: revolucionou o golfe. Nascido no seio de uma família pobre, deixou que a modalidade lhe entrasse pelos olhos desde criança. Foi um acaso: o campo de Pedreña (um dos melhores de Espanha) ficava a 150 metros da casa onde cresceu. O pai, o tio e os irmãos frequentavam-no.

Morreu Severiano Ballesteros

Entravam pelas traseiras, estavam proibidos de ir ao bar e tinham ordens para passar despercebidos. O pai tratava da relva, os dois irmãos eram caddies. Severiano espreitava da parte de fora. Quando fez nove anos tornou-se também ele caddy: transportava os tacos dos ricos e aristocráticos.

Fazia-o só ao fim-de-semana, quando tinha tempo livre, e cobrava 40 pesetas pelo dia todo. Durante a semana estudava e ajudava o pai na agricultura. «Limpava o estrume das vacas, conduzia-as ao pasto, cortava erva para lhe darmos de comer no Inverno e até ajudava a fazer partos de vitelos», contou.

Do lado pobre da vida, não podia desenvolver o gosto pelo golfe nos greens. Por isso aprendeu a jogar na praia: com tacos de madeira, feitos em casa e muito rudimentares. Mais tarde começou a frequentar La Pedreña. Em noites de lua cheia, para ter mais luz: o dia estava reservado aos ricos.

Perante estas limitações era improvável que Ballesteros algum dia viesse a fazer carreira no golfe. Mas o espanhol era teimoso: amava o golfe acima de tudo. Aprendeu tudo sozinho. «Nunca tive jeito para memorizar coisas. Sempre fui muito mau na escola.» Por isso não queria conselhos: jogava como queria.

Alguns dizem que era um golfista pouco elegante, outros garantem que revolucionou o jogo. Certo é que aos 16 anos fez-se profissional. No início teve imensas dificuldades em ser aceite: era filho de um lavrador. Num desporto de elites, era difícil aceitar um filho de lavrador. Mas Ballesteros tinha talento.

Aos dezoito anos ficou em segundo lugar no Open Britânico. A partir daí nunca mais parou: ganhou dois Masters de Augusta, três Ryder Cup, foi número um do mundo e ganhou um lugar no Hall da Fama. Não teve vergonha e nunca se sentiu inferior a ninguém. Foi um rebelde revolucionário: democratizou o golfe.

Diz que nunca se sentiu bem entre aristocráticos. Continuou a prezar os amigos de sempre, os restaurantes de sempre, os cafés de sempre. Há dois anos retirou-se da competição devido a dores nas costas. Mais tarde foi-lhe diagnosticado um tumor no cérebro. Foi operado quatro vezes e faleceu aos 54 anos.

Até sempre campeão.