Há sempre qualquer coisa que move os grandes, para além do simples jogo. Michael Jordan, o maior dos maiores, chamava-lhe fogo competitivo. Klay Thompson e Russell Westbrook também o têm. Ambos fizeram história na NBA, nesta semana, com dois recordes loucos. Mas enquanto um quase nasceu destinado a isso, o outro teve de batalhar até ao topo.

«Sinto que estou a jogar por ele, de certo modo. Estávamos a jogar basquetebol por brincadeira um dia e ele simplesmente parou e caiu do nada e foi assim. Penso sempre nele e na família dele e imagino como estão e certifico-me disso mesmo sempre que posso.», Russell Westbrook, ESPN

Russell Westbrook somou o sexto triplo-duplo consecutivo na temporada. Fê-lo frente aos Atlanta Hawks na madrugada de terça-feira.

Michael Jordan fez sete seguidos em 1989. O base dos Oklahoma City Thunder está a um de igualar His Airness. Um triplo-duplo consiste de chegar à casa das dezenas em três aspetos estatísticos do jogo: no caso de Westbrook em pontos, ressaltos e assistências.

A saída de Kevin Durant para Oakland obrigou Westbrook a liderar sozinho os Thunder. O que ele tem feito tem sido visto quase como sobrehumano. Ou então é apenas a continuação de uma história de superação, de alguém que batalhou muito para chegar ao topo da NBA.

Há uma razão para Russell Westbrook cumprir o ritual de todos os dias colocar uma pulseira com a inscrição KB3. Para homenagear o amigo.

Crescido em Lawndale, Califórnia, Westbrook e Khelcey Barrs eram inseparáveis. Imaginaram todo o percurso desde o liceu de Leuzinger até à NBA, com passagem pela UCLA. O plano, porém, foi interrompido.

O telefone tocou muitas vezes na casa dos vizinhos de Westbrook naquela época. Treinadores de todo o país ouviram falar de Khelcey Barrs, um rapaz de 16 anos, e dois metros de altura, com média de 18 pontos por jogo, 11 ressaltos e três blocos.

Westbrook quando foi MVP do All-Star Game, em 2015

Por sua vez, em casa de Westbrook o telefone só tocou três vezes, com propostas das universidades Loyola Marymount, Creighton e Kent State.

A morte súbita de Barrs, por ter um coração de proporção anormal, atingiu Westbrook, que nunca o esqueceu. Em Lawndale, o agora base dos Thunder chegou a fazer algumas das tarefas diárias de Khelceya. Atravessava a estrada, em direção à casa da mãe de Khelcey, para pôr o lixo no lixo. Mas mais do que isso, ficou decidido a cumprir o plano.

O recorde de triplo-duplos consecutivos é de nove e pertence ao grande Oscar Robertson. The Big O é também o único jogador a terminar uma temporada da NBA com uma média de triplo-duplo, algo que Westbrook tem neste momento: 31 pontos, 10,9 ressaltos e 11,3 assistências.  

Com 48, Westbrook é o sexto jogador da história da NBA com mais triplo-duplos. Oscar Robertson (181), Magic Johnson (138), Jason Kid (107), Wilt Chamberlain (78) e Larry Bird (59) estão à frente.

O grande debate é se Russell consegue não só terminar a época com média de triplo-duplo, mas também, no final da carreira, em que posição fica nesta lista. A época regular na NBA tem 82 jogos e com 28 anos, Westbrook vai, certamente, tentar ficar entre gigantes. Primeiro, porque os números indicam que assim pode ser, depois, porque ele está habituado a batalhar por aquilo que parece improvável.

Após a morte de Khelcey, Westbrook cresceu em tamanho e em números. Universidades de todo o país estavam de olho nele, mas ele preferiu…a UCLA. Cumpriu a primeira etapa designada, ele que, conforme escreveu a ESPN, só foi titular ao fim de dois anos no High School, não recebeu a primeira carta de recrutamento por uma universidade até ser finalista e só conseguiu afundar a meio deste último ano no liceu.

A outra pulseira que Russell Westbrook põe todos os dias diz: «Why not?» A pergunta que ele coloca como resposta a todos aqueles que duvidaram das suas capacidades.

Russel foi selecionado no Draft de 2008, numa escolha longe de ser consensual. No entanto, quando o general-manager da equipa perguntou aos outros jogadores qual foi o tipo mais duro que defrontaram, a resposta foi unânime: Russel Westbrook.

Irá ele conseguir terminar a época com média de triplo-duplo? «Why not?»

Klay Thompson já nasceu na NBA

Kevin Durant. O nome que liga Westbrook e Klay Thompson. O primeiro teve de trabalhar por dois, o segundo podia ter sido ofuscado por KD. Os Golden State Warriors eram já vistos como a equipa dos Splash Brothers, Stephen Curry e Klay Thompson. Mas quando a equipa de Oakland decidiu meter Durant na mistura, o estatuto e estrelato de Thompson ficaram em jogo.

No entanto, o encontro com os Indiana Pacers, naquela que foi a 200ª lotação esgotada consecutiva do Oracle Arena, Thompson provou que não será ofuscado por ninguém: apontou 60 pontos frente a Indiana, um número que nem Curry nem Durant conseguiram alcançar em toda a carreira.

Mais do que isso, fê-lo em apenas 30 minutos. E 60 pontos em 30 minutos nunca ninguém tinha feito nos últimos 50 anos.

Klay Thompson entrou na NBA em 2011. Foi a 11ª escolha do draft. Nesse ano, ficou fora do jogo de rookies e basquetebolistas de segundo ano. «Acho que sou tão bom como eles», disse KT após um jogo com os Lakers, já depois disso. E depois disso, significou também uma melhoria nos números. Fogo competitivo, pois claro...

Klay Thompson começou por ganhar o lugar de Monta Ellis, que saiu para Milwaukee, e acabou por cumprir destino.

Filho de um antigo jogador da NBA, Mychal Thompson, começou por distinguir-se nos Cougars da universidade de Washington State, pelos quais foi sempre uma figura de destaque. Tinha dois anos quando o pai deixou de jogar, mas sempre teve a experiência profissional do pai para saber que caminhos seguir. Mesmo nos erros, quando foi apanhado com marijuana, ou quando empurrou um adversário pelas costas. 

«É a pessoa que mais acredita em mim. Desde os meus 17 anos que ele me disse que podia chegar à NBA  se me mantivesse humilde e trabalhasse. Não é de falinhas mansas quando faço algo mal. É uma das pessoas mais contundentes que conheço. Ele diz as coisas como ela são.», klayThompson, NY Times

Klay Thompson no jogo com os Indiana Pacers

E quando o caminho o juntou a Stephen Curry, outro filho de um ex-NBA, a mistura foi explosiva e levou os dois a um campeonato e ao estrelato.

Nem Kevin Durant mudou isso, pelo contrário.

«Não me vou sacrificar porque não vou mudar o modo como jogo», disse Thompson quando questionado sobre a chegada de Durant. Se dúvidas houvesse, há aí 60 pontos em 30 minutos para o provarem.

Só parou quando o treinador o mandou para o banco.