«Força grande Ovarense.

Nunca te vamos deixar.

Sente a força da tua gente,

Que chegou para te apoiar.

A festa vai começar,

Na bancada tu vais ver

A Plague, a ganhar ou a perder.

Nunca mais vai acabar

Esta sede de vencer

Há 40 anos sem desceeeer»

O orgulho vareiro ecoa a cada jogo da equipa de basquetebol da Ovarense.

O histórico da modalidade – cinco vezes campeão, a última das quais em 2008 – é a única equipa que participou em todas as edições da 1.ª divisão do basquetebol nas últimas quatro décadas.

E esse feito envaidece as gentes de Ovar, como se percebe no cântico que abre estas linhas.

Contudo, essa longevidade pode estar a chegar ao fim. É o próprio presidente, Rui Palavra, quem o confessa, em conversa com o Maisfutebol.

Afinal, Ovar é uma cidade que vive numa cerca sanitária desde o dia 17 de março. No concelho português que primeiro se deparou com a propagação comunitária da covid-19, além do confinamento da população, o futuro da mais importante potência desportiva, mais do que cercado, parece encurralado pela pandemia.

Isto, porque mais de metade do orçamento da equipa vem de empresas locais. Empresas obrigadas a encerrar as portas devido ao vírus e que vivem na incerteza de não saber quando podem reabri-las. Empresas que, por isso, lutam, elas próprias, pela sobrevivência.

«Já tínhamos começado a preparar a próxima época e tínhamos o plano e o orçamento delineado. Mas agora vamos ter de reorganizar tudo. Teremos de perceber junto dos patrocinadores qual vai ser a posição deles. Porque é óbvio que a prioridade das empresas não será apoiar clubes desportivos», reconhece Rui Palavra.

Perante o cenário que traça, a pergunta é inevitável: a participação da Ovarense na próxima época pode estar em causa?

«O impacto da quebra de receita de patrocínios das empresas locais é muito grande. Nesse sentido, o cenário de não haver equipa a competir na liga na próxima semana tem de estar em cima da mesa. Ainda sem certezas, mas estamos a analisar todos os cenários e isso inclui o de não ter equipa na liga na próxima época», assume.

«Uma coisa para nós é certa: não podemos gastar mais do que recebemos. Isso é impossível. Mas para já é irrealista dizer o que vai acontecer no futuro próximo. A continuar, forçosamente vai ter de haver uma redução do orçamento. Isso está claro», resume.

O «crime» do treinador e a repimenda da polícia aos jogadores

Também a vertente desportiva está a ser complicada de gerir. Ainda para mais porque os atletas que ficaram no concelho estão ainda mais limitados do que os restantes desportistas.

Nuno Manarte, o treinador da equipa, atende-nos o telemóvel instantes depois de ter terminado de reunir com o plantel através de videochamada. «Mais para saber como estão e reforçar a necessidade de se manterem saudáveis física e mentalmente do que por outra coisa», explica o técnico.

Isto, porque exatamente três semanas depois do último treino conjunto, o cenário mudou completamente.

«Quando encerrámos os treinos como medida de prevenção, não imaginávamos que íamos estar a viver uma situação assim. Os jogadores levaram treinos específicos para fazer, mas nesta fase já é complicado perceber sequer se vamos voltar a competir esta época», justifica.

Natural de Ovar e ligado ao clube de forma ininterrupta desde que se iniciou na modalidade, ainda criança, o antigo internacional português fala pelo grupo de trabalho que lidera e que vive na total incerteza do futuro.

«Nós estamos todos assustados e na expectativa com esta situação. Quem está em Ovar, está confinado, mas aqueles que estão fora também não estão mais tranquilos. Porque apesar de poderem sair para uma corrida, ou assim, têm também receio de o fazer pela preocupação de levarem o vírus para casa», relata.

Esse quadro não chega apenas pintado pelos atletas com quem acaba de conversar. Também Nuno Manarte assume que lhe é difícil, depois de 25 anos ligado ao desporto de alta-competição, estar há tanto tempo afastado do desporto.

Por isso mesmo, duas vezes por semana tem-se refugiado num pinhal atrás da casa para fazer algum exercício. Não sem remorsos, admite.

«Apesar de ir para lá sozinho e estar isolado de todos, sinto-me sempre um criminoso. Parece que estou a cometer um delito, porque a ordem é para ficar em casa. Mas a verdade é que não estou a prejudicar ninguém e faz-me bem desanuviar ali um pouco», justifica.

A mesma ideia já correu mal a Rodrigo Soeiro, jovem extremo que fez a formação no clube da cidade de onde nasceu e que garante nunca ter visto Ovar como nas últimas semanas: vazia. Quase fantasmagórica. Algo que até já lhe valeu uma reprimenda das autoridades policiais.

«Estamos completamente limitados devido à cerca sanitária. Não se vê ninguém nas ruas porque as pessoas não podem mesmo sair. Não podemos sequer correr na rua, nem fazer exercício», começa por relatar, antes de partilhar a chamada de atenção que recebeu da polícia.

«Há uns dias peguei na bicicleta para tentar fazer algum exercício. A polícia parou-me e mandou-me para casa», conta, defendendo até a atitude dos elementos da autoridade.

«Temos de perceber. Apesar de eu ser desportista, andar na rua é perigoso para todos, por isso não podemos ser diferentes, por muito que nos custe», sublinha.

A infelicidade que deixou o capitão em «liberdade»

Longe de Ovar, além de alguns jogadores que não são da região, estão também os cinco atletas norte-americanos, que regressaram ao país de origem, alarmados pela possibilidade de serem… impedidos de regressar.

«Os jogadores norte-americanos mostraram-se muito preocupados quando o [presidente dos EUA, Donald] Trump anunciou que ia fechar as fronteiras. Eles pediram para regressar ao país e a verdade é que não fazia sentido mantê-los aqui com a cabeça noutro sítio», defende Manarte. «Eles iam ficar numa cerca ainda maior, acrescida da preocupação com os familiares», justifica o técnico Nuno Manarte, informando que os atletas deixaram Portugal ainda antes de ser decretada a cerca sanitária.

Quem também está fora do perímetro de segurança erguido em Ovar é o capitão de equipa Cristóvão Cordeiro.

Natural de Porto de Mós, concelho do distrito de Leiria, Cordeiro viu uma infelicidade profunda dar-lhe um pouco mais de liberdade do que os companheiros.

«O meu pai faleceu há duas semanas e desde então estou em casa dos meus pais», começa por dizer. «Foi por um mau motivo que tive de sair de Ovar, mas agora acaba por ser melhor para mim», considera.

Isto, porque o capitão conhece as restrições vividas pelos companheiros.

«Eu, pelo menos, tenho a possibilidade de correr ao ar livre, coisa que os meus colegas que estão em Ovar não podem fazer. Como estou numa zona mais rural, consigo sair para dar uma corrida sem encontrar ninguém», explica.

«Além disso, tenho uma tabela ao ar livre e vou fazendo alguns pequenos exercícios de lançamento, até mais para manter a sanidade mental, do que pela parte física», reconhece em seguida.

Outro ponto em que a situação de Cristóvão Cordeiro é distinta é na atividade extra-basquetebol.

O poste, de 30 anos, é o único jogador da Ovarense que concilia a atividade desportiva com um emprego fora do desporto. Trabalha numa serralharia, em Ovar, e até acredita que o regresso à cidade será feito para esse emprego e não para voltar aos pavilhões.

«As empresas de Ovar foram obrigadas a fechar. Quando reabrir e o meu chefe me mandar regressar, lá estarei de volta a Ovar. Tenho quase a certeza de que vou regressar a esse trabalho antes de voltar a haver competição. Na verdade, não sei se o campeonato vai ser retomado», reconhece.

Claque inspirada… numa pandemia

As palavras que abrem este texto são um cântico da claque da Ovarense: The Plague. Assim se chama o grupo de adeptos que nasceu formalmente em 2019, depois de durante algum tempo terem devolvido a vida a uma antiga claque do clube, chamada… Peste Negra.

Isso mesmo.  O grupo de apoio da Ovarense, que agora tem o futuro em risco devido à pandemia da Covid-19, inspirou-se na primeira grande pandemia mundial e até tem como símbolo as máscaras que os médicos utilizam à época para se protegerem da peste.

«É uma coincidência infeliz», reconhece Afonso Azevedo Pinto, fundador e líder da claque, que explica a ideia por detrás do nome.

«Tem a ver com o preto e branco, que são as cores da Ovarense e com um amor ao clube que contagia», explica o jovem, de 20 anos, confiante de que este mau momento vai passar.

«Estamos a viver uma fase muito difícil, mas vamos ultrapassar isto. A raça vareira não se deixa vencer», enaltece.

Para ajudar a que a situação seja resolvida o mais depressa possível, o clube cedeu o pavilhão, que está ser preparado para dentro de dias entrar em funcionamento como hospital de campanha. Um gesto simbólico elogiado pelo jovem adepto.

«Foi uma excelente iniciática do clube. Nós, o povo de Ovar, está sempre lá para apoiar a Ovarense e agora vemos que o clube também sabe retribuir e mostra-se presente para apoiar Ovar», sublinha.

Uma união que será também necessária para que esta pandemia não empurre a Ovarense para o abismo.