As memórias aparecem difusas a Virgílio. Do alto dos 76 anos. O antigo jogador do F.C. Porto pede desculpa e lamenta-se pela crueldade da idade. Que com ela leva tantas recordações. Há um episódio da final de 58 que o antigo lateral portista não esqueceu. Era ele o capitão azul e branco e seguia para a tribuna presidencial logo atrás de Calado. O capitão encarnado ia receber a consolação dos vencidos, Virgílio ia levantar o troféu. «Quando dou por mim a levantar a taça vejo o Calado lavado em lágrimas, com o rosto completamente encharcado», conta. «Doeu-me o coração naquela altura. O Calado era um desportista de eleição, um rapaz correctíssimo».
Virgílio tentou consolar o adversário da altura. «Disse-lhe que não valia a pena estar assim, que naquele dia tínhamos ganho nós mas que no dia a seguir iam ganhar eles». A razão é que não era bem essa. Ou não era, pelo menos, só essa. Virgílio veio-o a saber depois. «O Calado decidira que aquele ia ser o último jogo dele. Tinha decidido despedir-se ali do futebol e a última coisa que queria era despedir-se com uma derrota. Ele queria mesmo muito ganhar aquela Taça de Portugal para deixar o futebol com uma vitória». Até porque o Benfica perdera também o campeonato. A imagem de Calado a chorar ficou para a história.
Essa final de 58 ficou também marcada por um episódio caricato (relativamente caricato) que aconteceu com Miguel Arcanjo. O médio portista sofreu um choque feio de cabeça-contra-cabeça com Palmeiro Antunes e quase desfaleceu. Após ser assistido voltou ao terreno de jogo, cambaleando, nitidamente afectado pela brutalidade do embate. «Senti qualquer pancada na cabeça e desde aí pouco me recordo... A cabeça parece que pesava dez quilos. Estava a falar com as pessoas e nem as via», contou depois o médio portista.
Virgílio tem leves recordações desse facto. «Lembro-me de ele falar que tinha sido injectado quatro vezes pelos médicos ao intervalo. Nós pensávamos que ele já não voltava ao campo mas cinco minutos depois de começar a segunda parte lá veio ele com a cabeça toda ligada e a andar meio de lado». Os relatos falam de um Miguel Arcanjo com as faculdades nitidamente diminuídas. «Sim, cambaleava muito. Nem sei como se aguentou em campo». No final do jogo o médio portista foi imediatamente levado para o hospital numa ambulância. Depois de ter insistido em terminar o jogo, não deixando o F.C. Porto em inferioridade numérica. «Era um rapaz calado, mas de uma fibra enorme. Nada o abatia», recorda Virgílio.