O Bayer Leverkusen-Benfica (4-4) de 16 de Março de 1994, segunda mão dos quartos de final da Taça das Taças, recordado pelos protagonistas, de Rui Costa a Toni. Texto publicado originalmente no livro Sport Europa e Benfica, da autoria do Maisfutebol e editado pela Primebooks
Descendo do autocarro, à chegada ao estádio Ulrich-Haberland, Rui Costa não disfarçou um esgar de preocupação. O caminho de acesso aos balneários ficava num plano superior ao das bancadas e, olhando para baixo, o médio do Benfica viu uma imensa mancha vermelha. Faltavam mais de duas horas para o pontapé de saída: «Era a cor do Bayer e achámos que se o estádio estava cheio com tanta antecedência ia ser um ambiente infernal. Mas depois fomos pisar a relva e percebemos que havia tantas faixas de adeptos do Benfica como de alemães.» A equipa ganhou aí um decisivo suplemento de ânimo, antes dos 90 minutos mais emocionantes de toda a sua história europeia.
«São momentos que fazem parte da nossa vida, para sempre», sintetiza Toni que assume ter sentido muito cedo, no banco, o jogo escapar-lhe das mãos: «Nenhum treinador controla um jogo assim, àquele ritmo as ordens não passam para o campo. E no futebol não há minutos de desconto, como no basquete.» O seu mérito fundamental na epopeia foi, por isso, o de escalar um Benfica decidido e sem medos. «Diziam que eu era um treinador defensivo, mas basta olhar para esse onze para perceber como certos rótulos são injustos.»
A noite louca de Leverkusen começou com um bluff. A utilização de Schuster, tocado, era a grande dúvida no campo alemão. E antes do jogo Toni afirmara repetidamente aos jornalistas que torcia pela ausência do maestro. Mas quando viu o seu nome no onze, o treinador do Benfica sorriu: «Ele era grande jogador, quando tinha a bola era preocupante, mas quando não a tinha era lento e dava espaços para jogarmos.»
Aliás, o que mais havia no relvado eram espaços. Os remates acumulavam-se nas duas balizas e foi quase por milagre que o intervalo chegou com apenas um golo, para os alemães. O central Hélder lembra o ritmo alucinante com que as coisas foram acontecendo, sem pausas para respirar: «Foi frenético, o jogo mais incerto e com menos paragens em que entrei. Simplesmente histórico.» Depois do 1-1 na Luz, o segundo golo alemão, ironicamente marcado por Schuster, pareceu resolver a eliminatória. Mas um minuto depois, Rui Costa fez o primeiro de quatro passes para golo: «O Abel Xavier pediu a bola nas minhas costas, toquei de calcanhar e ele marcou um golão que nos relançou imediatamente.»
O resto é lenda: sempre com passes de Rui Costa, João Pinto fez o 2-2 no minuto seguinte, e por entre uma enxurrada de ocasiões perdidas, Kulkov fez 3-2 para o Benfica a treze minutos do fim. «Quando fizemos o terceiro sentimos que era impossível não passar», recorda Hélder. No entanto, apenas quatro minutos depois os alemães estavam de novo em vantagem na eliminatória: 4-3 e um estádio à beira da apoplexia.
«Há uma frase que resume esse jogo», lembra Rui Costa «O treinador do Bayer disse que se eles tivessem marcado sete golos nós marcaríamos outros sete, e é verdade. A certa altura já sentíamos que tinha de acontecer mais qualquer coisa, não íamos ficar pelo caminho assim.»
Não ficaram: Kulkov voltou a marcar, o jogo acabou com 4-4, e os espectadores rumaram para as saídas quase tão cansados como os jogadores. «Foi fabuloso, um vendaval de técnica entre duas equipas que encaixaram bem e apostaram tudo em ganhar. Friamente, merecíamos ter passado os dois. Mas foi mais justo assim porque, no fim de contas, fomos mais audazes fora de casa do que eles na Luz», conclui Rui Costa, herói supremo de um irrepetível festim de futebol de ataque.