A face do futebol italiano mudou de forma trágica e radical a 4 de maio de 1949. Passavam três minutos das cinco da tarde quando o avião proveniente de Lisboa, que transportava o Torino, tetracampeão italiano, após um jogo particular com o Benfica, embateu na catedral de Superga, nos arredores de Turim, matando os 31 passageiros e tripulantes.
Este é o ponto de partida do documentário «Benfica-Torino 4-3», que vai ser exibido em Lisboa neste domingo, no âmbito da Festa do Cinema Italiano. Entre outras coisas, o filme conta a história da amizade entre os capitães das duas equipas, Francisco Ferreira e Valentino Mazzola. E na génese do projeto está outra história de amizade, esta entre os autores, o italiano Andrea Ragusa e o português Nuno Figueiredo.
Foi numa conversa de amigos, há coisa de três anos, que Andrea, italiano radicado em Portugal, percebeu que uma das maiores tragédias desportivas do século XX não era tão conhecida por cá como devia. No rescaldo, Andrea encontrou em Nuno Figueiredo uma simetria de interesses. O tradutor e investigador de literatura portuguesa, simpatizante do Torino e com formação em guionismo, juntou-se ao operador de câmara freelancer, adepto do Benfica. Juntos construiram uma visão diferente sobre a tragédia de Superga, e a maneira como foi vivida em Portugal e Itália.
A ideia inicial, vaga, passava por um livro sobre o tema. Aquela conversa fez mudar a agulha para uma história contada em filme. «Eu tinha experiência de documentários, mas só como técnico», diz Nuno Figueiredo, que se entusiasmou com a possibilidade de ter um projecto que lhe permitisse ser criativo. «Não tenho dúvidas de que esta abordagem à história é muito mais interessante do que a de um livro», conclui Andrea.
Para Andrea, as memórias do desastre que vitimou a que era então, para muitos, a melhor equipa da Europa, foram herança recebida desde cedo. Mas tanto em Portugal como em Itália, abundavam as imprecisões: «Surpreendeu-me perceber que havia tanto desconhecimento à volta do desastre de Superga», conta Andrea, «Aconteceu-me ler que o jogo tinha sido no estádio da Luz, que nessa altura ainda nem existia. E é comum dizer-se que aconteceu após a festa de despedida de Francisco Ferreira, quando na verdade ele ainda jogou mais três anos», conta.
A necessidade de rigor foi acentuada por um sentimento de urgência: num documentário sobre acontecimentos passados há mais de 60 anos, a possibilidade de entrevistar intervenientes ou testemunhas diretas obrigava a agir depressa. Assim foi feito, com um investimento mínimo dos próprios autores: «Este filme é a prova de que se pode fazer coisas sem financiamento externo. Praticamente só gastámos o dinheiro das viagens, o material e o nosso tempo», conta Nuno.
Face à escassez de imagens em movimento - não há, por exemplo, filme disponível do jogo realizado no estádio Nacional ¿ a opção para enquadrar as entrevistas feitas recaiu nos arquivos de jornais da época, portugueses e italianos. E, claro, na possibilidade de explorar a riqueza do estádio Nacional, cenário do último jogo do «Grande Torino». No resto, uma preocupação editorial: «Não quisemos pôr o acidente no centro da história. Os funerais tiveram uma cobertura enorme, mas não quisemos emocionar o público com as imagens dos caixões, era cheap», conta Nuno.
Concluído em final de 2012, o filme já foi apresentado em Itália, com boa receção. A edição em DVD foi posta à venda no site do Torino, e em breve será distribuída com o diário «La Stampa». Em Portugal, o primeiro teste será neste domingo, no São Jorge. Depois o filme vai ser exibido em conjunto com uma exposição fotográfica, entre os dias 7 e 10 de abril. Como quem fecha um círculo, o local escolhido é o cinema Turim, em Benfica.