Nélson e Hulk conheceram-me muito antes de serem conhecidos: o português tinha 17 anos e o brasileiro tinha 15. No Vilanovense, clube humilde de Vila Nova de Gaia. Este é texto é por isso sobre uma fase cheia de sonhos e cheia de dificuldades, sem comida, água ou luz...

Qual foi o treinador que o marcou mais?
Tive muitos treinadores. Nunca tive aliás o mesmo treinador dois anos seguidos. No Benfica o Fernando Santos chegou a começar a segunda época mas foi despedido à segunda jornada... Há um nome que está acima dos outros: o Edmundo Duarte, que me treinou no Vilanovense. Nessa altura eu era estrangeiro e estava a treinar à parte, ia ser dispensado da II Divisão B, veja bem onde eu ia parar... Ele viu-me em dois treinos, deu-me a mão e disse que ia apostar em mim. É uma gratidão que tenho para toda a vida.

Quando tinha 17 anos partilhou casa com Hulk...
Sim, no Vilanovense. Éramos sete lá em casa e só eu e ele chegámos longe. Fico contente por ver onde está. Começou do nada e conseguiu mostrar todo o valor que tinha.

Esperava que o Hulk chegasse tão longe?
Olhando só para as qualidades dele, dizia que sim. Lembro-me como se fosse hoje, eu era júnior, ele era juvenil, ambos treinávamos com os seniores, já nessa altura ele tinha uma qualidade técnica incrível e uma enorme força. Mas no futebol é preciso sorte. Podes ser muito bom, sem sorte não chegas a lado nenhum. Ele teve a sorte que é preciso e por isso não me surpreende onde ele chegou.

Guarda boas recordações dessa casa?
Fogo, muito boas e muito más. Até hoje as minhas amizades daquele tempo estão intactas. Recordo coisas tristes, mas bonitas ao mesmo tempo: hoje reunimo-nos muitas vezes para falar e contamos essas histórias. Passámos muitas dificuldades, fomos treinar sem comer, passámos muito tempo sem luz em casa, tivemos de ir buscar água ao jardim porque tinham cortado a água em casa...

O Vilanovense não tinha dinheiro para pagar as contas...
Exato, passava por muitas dificuldades financeiras. Mas são momentos bons, guardo grandes memórias daquele clube humilde e das pessoas que sempre nos apoiavam. Tínhamos um motorista do clube que nos ajudava muito. Tinha um café onde íamos comer e não pagávamos nada.

Fazia isso por amizade ou obrigação?
Não, não por obrigação. Era um pessoa cinco estrelas. Chamávamos-lhe Motoca. Era pequenino mas tinha um coração muito grande. Nós íamos comer ao café dele e o clube pagava. Mas o clube deixou de pagar e ele perguntava O que vou fazer com vocês? Não vou deixar-vos na rua a passar fome. Sempre que vou ao Porto vou visitá-lo. São pessoas gratas e que nunca vou esquecer.

Veja um vídeo de Nélson no Bétis: