Nesta terça-feira, Portugal foi acordado por uma notícia que parou o universo desportivo: Luís Filipe Vieira e a SAD do Benfica foram acusados de corrupção ativa desportiva.
De acordo com o Ministério Público, os envolvidos simularam a compra e venda de jogadores, contando com a ajuda da SAD do V. Setúbal, numa acusação que diz respeito ao período entre 2016 e 2019.
E agora? O Benfica pode perder os títulos que conquistou nessas épocas? Podem ser retirados pontos ao clube? Luís Filipe Vieira pode ser preso? Como se resolve a questão dos direitos televisivos?
Lúcio Correia, advogado e professor de Direito do Desporto na Universidade Lusíada de Lisboa, com vasta experiência na área, ajudou o Maisfutebol na procura de respostas para as principais questões que pairam à volta deste caso mediático.
Maisfutebol – Agora já não são apenas suspeitas, há de facto uma acusação. Quer dizer que já há dados a confirmar que o Benfica, V. Setúbal e Luís Filipe Vieira cometeram corrupção?
Lúcio Correia – Exatamente. São indícios muito sérios de que aqueles factos ocorreram. Passámos de uma mera suspeição para uma situação de suscetibilidade forte de virem a ser condenados.
Relativamente ao processo, o que vai acontecer agora? Quanto tempo poderá demorar até à deliberação final? Os arguidos vão ter a oportunidade de se defender?
O tempo é imprevisível. Estamos no processo-crime, apenas. Este processo-crime está em fase de instrução. Os arguidos têm 20 dias para requerer a abertura de instrução. Podem obviamente requerer provas. Depois terminará o debate instrutório. Aí sim, será decidido se a acusação vai ou não a julgamento. De forma paralela e automática, a meu ver, parece-me inevitável que o Conselho de Disciplina da Federação tenha de abrir um processo contra todos os visados na acusação de ontem.
Ok…
Este processo disciplinar desportivo tem por base, obviamente, todos os factos que estão na acusação. Designadamente, os que consubstanciam o crime de corrupção ativa e o crime de oferta indevida de vantagem. Nesta medida, é óbvio que são duas responsabilidades diferentes. São dois processos que vão decorrer de forma autónoma e independente. Ainda que historicamente os processos desportivos, normalmente, tenham em conta aquilo que se passa no processo-crime. No fundo, aquilo que será carreado no processo-crime, será depois tido em conta para o processo desportivo.
Segundo o Regulamento Disciplinar da Liga, no artigo 63, casos de corrupção visam apenas a perda de pontos dos clubes. A Justiça Civil sobrepõe-se à Justiça Desportiva?
A Lei n.º 14/2024, de 19 de janeiro, diz expressamente que os arguidos podem ser condenados a uma pena de prisão que pode ir de um a cinco anos em cada um dos crimes, quer da corrupção ativa, quer da oferta indevida de vantagem. Depois temos as sanções disciplinares desportivas. O que se passa neste processo-crime é que, para além daquelas penas, podemos ter a questão da suspensão acessória de participar em competições, que poderá emanar do Tribunal. Ou seja, no caso das SAD o impedimento de participação nas competições profissionais durante algum tempo. No caso dos arguidos individuais (Luís Filipe Vieira e Paulo Gonçalves) a eventual condenação poderá implicar a suspensão do exercício de função dos dirigentes.
A acusação do Ministério Público não impede implicações de carácter desportivo?
A responsabilidade criminal será apurada neste processo crime, enquanto que a responsabilidade disciplinar será aplicada através do Conselho de Disciplina da Federação e da Comissão de Instrução e Inquérito da Liga, que poderão aplicar a sanção disciplinar de suspensão de participação nas competições que decorre da lei, sem prejuízo da pena de multa que está no regulamento. Se for possível comprovar, aplicam a sanção disciplinar. Passa pela perda de pontos e pode passar pela multa. Mas, e isso é que é crítico, como se pode ver no artigo 63 e no artigo 64 B do Regulamento Disciplinar da Liga, estes não falam em suspensão acessória de participação em competição, mas apenas em subtração de pontos e multa. Não falam, mas deveriam falar, pois obviamente a lei sobrepõe-se a qualquer regulamento disciplinar, sendo por isso aplicável. Não podemos esquecer que estas responsabilidades são independentes e complementares, sendo certo que até podem ter decisões distintas. No entanto, a decisão do Tribunal, que provém de um órgão de soberania, sobrepõe-se.
E agora?
Atenção, o Conselho de Disciplina até pode não condenar a suspensão provisória ou temporária, mas caso o Ministério Público o faça, obviamente que as instâncias desportivas têm de cumprir.
Haveria a possibilidade de serem retirados os títulos que o Benfica venceu no período a que o processo diz respeito?
Não. Não, porque os efeitos desportivos estão consolidados. E, portanto, também não é possível a redução de pontos. Também não é possível, obviamente, mexer nos títulos validamente conquistados. Agora, isso não inibe todos os outros clubes que eventualmente se sintam lesados, por força daqueles factos, de se constituírem assistentes no processo-crime e de fazer pedidos de indemnização aos arguidos. Designadamente as SAD que estejam envolvidas no processo.
Em caso de condenação do Benfica, como se resolve a questão da centralização dos direitos televisivos?
Não lhe posso responder. Ainda nem sequer foi o julgamento. É uma situação muito complicada. Estamos numa situação de centralização dos direitos televisivos para breve. É uma pergunta que eu não tenho como responder neste momento.
Outro dos acusados é o V. Setúbal. O que pode acontecer a um clube que não vive os melhores momentos?
A questão é que existe a possibilidade de apuramento de responsabilidade criminal dos representantes legais do V. Setúbal, na altura, que poderá implicar sanções, não só de pena de prisão, bem como no pagamento dos respetivos pedidos de indemnização. Eventualmente, os clubes que forem lesados podem apresentar pedidos de constituição como assistentes, para poderem ser ressarcido dos danos desportivos e não patrimoniais que decorrem destes factos. Este sem dúvida que é um processo que muda a história do desporto em Portugal.