A viagem de Enzo Fernández à Argentina, para festejar no país natal a passagem de ano, acabou por recuperar um velho hábito que marcou os três grandes na primeira década do século: as ausências injustificadas dos sul-americanos na viragem do ano.

Enzo Fernández, recorde-se, viajou contra a vontade de Roger Schmidt, que dissera que não havia exceções para ninguém e que os jogadores deviam aproveitar estes dias para descansar.

Indiferente às indicações do clube, o argentino foi divertir-se.

Ora por isso falhou os dois treinos do plantel do Benfica nesta segunda-feira e ainda não se sabe quando vai apresentar-se. O que levou a SAD encarnada a lançar um ultimato, para que o jogador regresse de imediato a Portugal e se apresente nos treinos no Seixal.

Este caso de Enzo Fernández traz à memória outras infrações disciplinares provocadas por jogadores na altura da passagem de ano.

Sobretudo entre 2000 e 2010, houve no FC Porto, no Benfica e no Sporting vários casos de incumprimento no regresso aos trabalhos.

Quem não se lembra, por exemplo, de Liedson? Ficou oito dias sem dar notícias, voltou e fez os dois golos da vitória sobre o Benfica. Ou de Polga, que também esteve oito dias ausente e não teve a sorte do companheiro porque entretanto o treinador já era Paulo Bento?

Mesmo lá fora, aliás, é impossível não recordar jogadores como Neymar, que arranja sempre forma de viajar para o Brasil na viragem do ano.

Ou de Ronaldinho Gaúcho, que era reincidente nos regressos de férias natalícias, tanto no Barcelona quanto no PSG. Na Catalunha chegou a arrastar Deco com ele, num caso que deu muito que falar.

A propósito de Enzo Fernández, o Maisfutebol recorda outros casos de incumprimento em Portugal no regresso aos treinos, viajando por um hábito que já parecia fazer parte do passado.

LUISÃO: um dia de atraso e a vontade de não estar ali

No natal de 2003, José António Camacho concedeu uns dias de férias ao plantel do Benfica e marcou o regresso aos treinos para 28 de dezembro. Luisão só apareceu em Lisboa no dia a seguir, já depois de falhar um treino, e com declarações pouco simpáticas. «Nunca escondi que a minha vontade era estar agora na selecção brasileira.» A explicação é simples: o Brasil ia realizar um torneio pré-olímpico, para o qual os clubes não eram obrigados a libertar os jogadores e o Benfica optou por não libertar Luisão. «Cheguei a ligar ao Ricardo Gomes a dizer que queria estar na selecção. Tentei chegar a um acordo com o Benfica, não foi possível, agora não sei o que vai acontecer.» Não aconteceu nada. Camacho disse entender a frustração do jogador, mas que o Benfica tinha o direito de não o libertar. Seis dias depois, Luisão foi titular numa derrota com o Sporting (e até marcou o golo encarnado).

LIEDSON: um pedido de desculpas e dois golos ao Benfica

As mini-férias de fim de ano foram quase sempre um problema para Liedson. Logo na primeira época em Portugal, por exemplo, o brasileiro foi autorizado a voltar aos treinos um dia depois dos companheiros, mas mesmo assim falhou: atrasou-se um dia. No ano seguinte, em 2004, foi pior. Os jogadores tinham ordens para se apresentar a 28 de dezembro, Liedson viajou para o Brasil e não deu notícias um, dois, três, quatro dias. O Sporting tinha um jogo para a Taça com o Pampilhosa, a 4 de janeiro, para o qual Liedson estava castigado, e ia jogar com o Benfica a 8 de janeiro. A dúvida era se o brasileiro voltaria a tempo do dérbi. «Se chegar, é opção para o Benfica», anunciava José Peseiro. E a verdade é que chegou mesmo, a 4 de janeiro: oito dias após a data indicada. Chegou, foi direto à SAD e no dia seguinte pediu desculpa ao plantel. Falhou oito treinos, e foi multado por isso, mas foi titular no dérbi com o Benfica, marcou dois golos e provocou a expulsão de Alcides. O Sporting venceu por 2-1.

POLGA: safou-se com José Peseiro... mas não com Paulo Bento

Em 2004, no mesmo ano em Liedson falhou oito treinos, também Polga regressou tarde das férias de natal. Polga e Rogério, aliás. Os dois brasileiros voltaram com um dia de atraso e falharam o treino do dia 28 de dezembro. «Tive um problema com o passaporte, tive que tirar outro», justificou Rogério. «Precisava de um dia da semana para tratar de uns assuntos», garantiu Polga. Foram chamados à SAD, pagaram uma multa e começaram a trabalhar com o plantel de imediato. No ano seguinte, o Sporting concedeu férias até dia 29 de dezembro. Polga, novamente, e Deivid não se apresentaram a 29, nem a 30, nem a 31. Só chegaram a 5 de janeiro, aliás: um atraso também de oito dias. Os dois justificaram que não conseguiram voo para mais cedo, mas Paulo Bento não foi condescendente: foram multados e ficaram de fora do jogo com o Sp. Braga. O Sporting só tinha 15 atletas disponíveis, mas Paulo Bento preferiu convocar três juniores para completar a lista: Pereirinha, David Caiado e Tomané.

PEPE, DIEGO, DERLEI E MACIEL: colocados a treinar com a equipa B

No natal de 2004, quando o FC Porto ainda vivia a ressaca da saída de José Mourinho, o treinador Victor Fernández deu férias de natal ao plantel e marcou o regresso ao trabalho para dia 31. Pepe, Diego e Derlei decidiram passar de ano no Brasil e falharam dois treinos: só se apresentaram para treinar no Olival a 2 de janeiro. Pepe chegou ainda antes do treino começar, Diego e Derlei chegaram já com a sessão a decorrer e nenhum ficou mais de quinze minutos. Receberam a nota de culpa, foram informados que estavam suspensos de toda a atividade e que deviam apresentar-se na SAD no dia seguinte para prestar esclarecimentos. Acabaram por ser castigados com cinco dias a treinar com a equipa B. Depois Pepe e Diego foram convocados para o jogo com o Rio Ave, mas ficaram no banco, Derlei nem sequer foi convocado. Tal como Maciel, de resto. Embora este caso seja diferente: o avançado passou o natal em Portugal com a família, mas viajou para o Brasil depois disso por causa do irmão, que tinha sido baleado com quatro tiros. Não disse nada a ninguém e falhou quatro treinos. Quando voltou, teve o mesmo tratamento dos colegas e ficou a treinar com a equipa B.

KATSOURANIS: o atraso nem foi o pior...

As férias de natal de Katsouranis, em dezembro de 2007, deixaram o grego alterado. O que provocou uma série de incidentes que terminou com uma suspensão de doze dias. Tudo começou no regresso de férias, marcado para 27 de dezembro. Katsouranis não se apresentou e, segundo o Benfica, «informou que vinha mais tarde», sem dar detalhes ou explicações. Chegou no dia seguinte, já depois de falhar dois treinos. Pouco depois, a 5 de janeiro, num jogo no Bonfim desentendeu-se com Luisão e os dois quase trocaram agressões. Foram ambos substituídos e suspensos, mas Luisão voltou mais cedo. Katsouranis ficou doze dias afastado dos trabalhos. Quando regressou, fê-lo ao lado de Luisão. Depois explicou-se aos jornalistas. «Foi uma má reacção da minha parte, uma má atitude. Coisas como esta acontecem nos treinos muitas, muitas vezes, mas num jogo não podem acontecer, está toda a gente a ver. Para mim, o assunto está encerrado e a vida continua.»

ENZO PEREZ: um braço de ferro que deu frutos

No natal de 2011, Jorge Jesus libertou os jogadores do Benfica para passar o natal em casa, marcando o regresso ao Seixal para 27 de dezembro. Saviola, Aimar e Gaitán tiveram problemas na ligação em Madrid, falharam o treino, mas justificaram o atraso de um dia. Já Enzo Perez não regressou nem disse nada. O argentino tinha chegado no verão ao Benfica, pouco conseguira jogar até então e queria voltar ao Estudiantes. Por isso deu início a um braço de ferro. Só voltou a Portugal a 16 de janeiro (!), e muito contrariado. Ficou afastado do plantel, a fazer apenas tratamento a uma lesão, mas Jesus manifestava vontade de o ter no plantel. «O Enzo Pérez é um caso da entidade patronal, que resolveu dar-lhe a possibilidade de recuperar. Vamos tentar recuperá-lo psicologicamente para se sentir bem no Benfica. A partir do momento em que se sentir bem aqui, esperamos muito dele porque tem qualidade para isso.» O que é certo é que o braço de ferro continuou e Enzo acabou por vencer: em fevereiro foi emprestado por meio ano ao Estudiantes.