António Veloso, antigo capitão do Benfica, contrasta um percurso titulado enquanto jogador, com uma vida social plena de transtornos familiares e financeiros, agudizados pelo abandono escolar precoce, numa entrevista concedida à Agência Lusa em que o antigo lateral confessa que continua a ser perseguido pela grande penalidade que falhou em Estugarda.

«Gostava de jogar futebol, mas nunca pensei ser profissional e as coisas foram tão repentinas que nem tive tempo para organizar a minha vida. Fiz a quarta classe e logo a seguir fui trabalhar, porque a minha mãe era inválida e o meu pai faleceu quando tinha onze anos», começa por contar o antigo jogador.

Natural de São João da Madeira, António Veloso trabalhava numa fábrica de sapatos quando começou a jogar como avançado na Sanjoanense, tendo saltado para os seniores na segunda temporada de júnior, antes de assinar pelo Beira-Mar, em 1978/79.

Dispensado da tropa, o médio do Beira-Mar passou a defesa no Benfica e realizou quinze temporadas seguidas de águia ao peito, coroando os mais de 600 encontros com a conquista de sete campeonatos, seis Taças de Portugal e três Supertaças.

«Faltou ter vencido uma competição europeia, incluindo uma final em que perdemos nos penáltis e falhei o último. Viemos no avião para Lisboa e as pessoas que me abordavam falavam sempre disso, o que fez com que me atazanasse mais a cabeça», admitiu.

A 25 de maio de 1988, António Veloso assumiu a sexta grande penalidade na final da Taça dos Clubes Campeões Europeus frente ao PSV Eindhoven, mas o guarda-redes holandês Hans van Breukelen negou a festa lisboeta em Estugarda, na Alemanha.

«Só me apetecia chorar. Ainda hoje encontram-me na rua e dizem que fui um grande jogador, mas fazem-me lembrar aquele penálti. Respondo que ninguém ficou mais triste do que eu», assumiu o ex-defesa, titular nesse nulo resolvido com 6-5 nos penáltis.

Com outras duas finais perdidas, na Taça UEFA (1982/83) e de novo na principal prova de clubes europeus (1989/90), o lateral fez 40 jogos por Portugal, esteve no Euro1984 e falhou o Mundial1986 por causa de um controlo antidoping polémico.

«Antes de Portugal ir para o México, fiz a contra-análise. Provei que não tinha nada a tempo da prova, mas não me deixaram ir ou não quiseram que eu fosse», lamentou, sem suspeitar do responsável pelo caso ocorrido a 9 de maio de 1986, que lançou uma série de contratempos internos culminados com a greve dos jgadores em Saltillo.

De «consciência tranquila», António Veloso lutou até às últimas consequências e foi ressarcido pela Federação Portuguesa de Futebol em 25 mil contos (cerca de 125 mil euros), após ter cedido o lugar na convocatória do selecionador José Torres a Bandeirinha.

O polivalente defesa voltou a representar a seleção alguns meses depois e jogou até aos 38 anos, disfarçando as saudades dos relvados com uma experiência fora das quatro linhas, entre 1996 e 2009, para a qual reconhece não ter «feitio» e da qual saiu «desiludido».

Após ter sido secretário técnico do Alverca, adjunto do Benfica e treinador de Atlético, Benfica B, Atlético da Malveira, Oeiras e Estrela da Amadora, o sanjoanense, de 63 anos, vivenciou diversos problemas pessoais que o conduziram à precariedade.

Além do golpe de 100 mil euros dado por um sócio numa empresa de publicidade, o pai de Miguel Veloso enfrentou um processo por ter usado uma procuração do médio dos italianos do Hellas Verona para voltar a colocar no seu nome a casa de família em Oeiras.

«Fiz o que tinha de ser feito, sem intenção de magoar quem quer que fosse. A casa vale 400 mil e tem quase 200 mil metros quadrados. Já podia estar vendida e resolvida, mas estão à espera de que eu parta para outro mundo para ficarem com ela», lamentou.

À parte da reposição de 5 mil euros ao filho Miguel e 25 mil à irmã Raquel, o caso mediatizado em abril de 2013 não teve efeitos práticos e consolidou a separação de António Veloso da família, afetando uma vida solitária apoiada na ajuda de amigos.

«Não quero voltar, porque a forma como alguns dirigentes atuam no futebol deixa-me triste. O dinheiro que recebo mensalmente dá para sobreviver. Nunca quis ser rico, mas ser uma rica pessoa», concluiu o comentador da televisão do «clube do coração».