Era outubro de 2000 e Portugal agitava-se com o amanhã do Benfica.

No fim de três anos de presidência de Vale e Azevedo, cheia de polémicas e contradições, surgiu um homem de jeitos tímidos e voz frágil chamado Manuel Vilarinho a desafiar o brigão que tinha prometido romper com os poderes instituídos.

O clube, esse, dividiu-se profundamente.

Até porque Manuel Vilarinho foi buscar forças onde não se imaginava e desafiou Vale e Azevedo no seu próprio campo. Ficou para a história, por exemplo, um debate na SIC em que só houve ruído. Vale e Azevedo tinha o hábito de não deixar os adversários falar, Vilarinho respondeu na mesma moeda e nenhum deles se calou. Rodrigo Guedes de Carvalho, esse, não conseguiu falar e desistiu de fazer perguntas. Encostou-se a uma mesa e deixou o tempo passar.

Ora foi portanto neste clima de profundo entusiasmo e hostilidade que Manuel Vilarinho puxou de um trunfo decisivo.

Mário Jardel.

O brasileiro tinha saído para o Galatasaray há alguns meses, depois de ter sido quatro vezes melhor marcador português e uma vez melhor marcador europeu. Em Portugal, aliás, foi eleito duas vezes o melhor jogador do campeonato e deixou um rasto de golos que falava por ele.

Quando Manuel Vilarinho anunciou que Jardel seria reforço do Benfica se ele ganhasse as eleições, o mundo benfiquista entrou em histeria.

Até porque não era apenas uma promessa, era muito mais do que isso. O próprio Jardel confirmou tudo e pediu aos adeptos do FC Porto que entendessem: ele era um profissional, queria muito voltar a Portugal e estava apenas a pensar no futebol dele.

Enquanto isso, o empresário Marcos Fraga dizia que estava tudo certo: havia acordo entre Jardel e o Benfica, só faltava Manuel Vilarinho ser eleito e pagar a cláusula de rescisão.

Para completar este conto de fadas e heróis, o próprio Manuel Vilarinho surgiu à frente dos sócios a mostrar um cheque pessoal de 100 mil contos, o qual garantiu que era para contratar Jardel. Se o brasileiro não viesse para o Benfica, aquele cheque seria dado ao clube.

«Jardel não é caro. É muito dinheiro, mas é um bom investimento. Jardel vale 35 a 40 golos por época», justificou Manuel Vilarinho a dois dias das eleições.

O que é certo é que venceu as eleições, Mário Jardel não reforçou o Benfica e o cheque nunca foi entregue ao clube. O que é se passou, afinal?

Muito simples: as pessoas perceberam tudo mal.

«O que eu disse foi que passava o cheque se não fosse verdade o que dizia sobre o Jardel. Nós fizemos um contrato, mas combinei com ele e com o seu representante que ele deveria mostrar-se descontente no Galatasaray para vir para o Benfica no final da época mais barato. Só que ele e a mulher em vez de pressionarem o Galatasaray, pressionaram o Benfica. Queriam vir mais cedo para Portugal», justificou mais tarde o presidente.

«Começou a pôr ações jurídicas contra nós, estragando o plano. Podia ter vindo.»

Ora Jardel, por outro lado, garantiu que a única coisa que era verdade é que tinha metido Manuel Vilarinho em tribunal.

«Foi arrogante e prepotente. Mas os tribunais existem para estas coisas. O caso está na justiça, porque Manuel Vilarinho quebrou uma promessa e um acordo escrito. O que me fizeram não se faz a ninguém. Não é pelo dinheiro. Há valores mais importantes. A minha dignidade, por exemplo, não tem preço, e eu sinto que fui usado.»

No final da época Jardel acabou por viajar mesmo para Lisboa, mas para o rival Sporting. No qual foi outra vez melhor marcador português, melhor marcador europeu e, claro, campeão nacional.

Os adeptos do Benfica ficaram, portanto, sem Jardel, sem os cem mil contos e pouco depois sem José Mourinho. Mas vá lá, não se perdeu tudo: também ficaram sem Vale e Azevedo.

«Máquina do tempo» é uma rubrica do Maisfutebol que viaja ao passado, através do arquivo da TVI, para recuperar histórias curiosas ou marcantes dos últimos 30 anos do futebol português.