João Félix já tinha inscrito o seu nome na história quando numa manhã de setembro se tornou, com 16 anos e dez meses, no jogador mais jovem de sempre a alinhar pela equipa B do Benfica. O médio criativo, a cumprir ainda o primeiro ano de júnior, entrou aos 83 minutos de jogo num empate sem golos com o Freamunde.

Nessa altura, nem três meses se tinham passado desde a assinatura do primeiro contrato profissional da carreira e da foto da praxe ao lado do presidente Luís Filipe Vieira e de Nuno Gomes, responsável máximo pela formação do Benfica.

«Este era o meu principal objetivo e sinto-me muito feliz por concretizar este sonho. Prometo dar tudo em campo por este clube que respeito muito e onde gosto muito de estar», disse o jovem futebolista que, com o golo apontado ao Ac. Viseu na derrota dos «bês» encarnados por 2-1, tornou-se no futebolista mais novo de sempre a marcar na II Liga, aos 17 anos, três meses e cinco dias.

A história de João Félix na formação do Benfica começou no verão de 2015. Antes disso esteve sete épocas no FC Porto, onde chegou em 2008 proveniente d’Os Pestinhas, escolinha de futebol pertencente ao Tondela.

Tiago Moreira, atualmente na formação do Paços de Ferreira e o primeiro técnico a trabalhar com João Félix no clube azul e branco, não se mostra espantado pela precocidade de uma das novas pérolas do Seixal. «Claro que não previa que se estreasse com 16 anos, mas perspetivava que tivesse sucesso se lhe permitissem jogar futebol como sabe», aponta.

Em conversa com o Maisfutebol, fala de um jogador que já mostrava ambição e uma rara capacidade para superar desafios em tenra idade. «Tinha uma coisa curiosíssima: um entusiasmo enorme pela superação de desafios. Há muitos miúdos que sucumbem perante os desafios mais difíceis, mas ele não. Evidenciava-se nos jogos mais fáceis e, principalmente nos jogos mais difíceis. Era como se esses jogos fossem um combustível necessário», aponta.

Tiago Moreira puxa para cima da mesa um jogo entre o FC Porto e o Benfica num torneio em Ponte de Lima há meia dúzia de anos, quanto João Félix ainda era infantil, para exemplificar. «Eles tinham uma equipa muito forte e nesse ano até tinham ganho ao Real Madrid em Vila Real de Santo António. Nós, que éramos vistos como outsiders, íamos defrontar esse Benfica avassalador. O que aconteceu? Ganhámos 4-2 e o Félix, que era um dos jogadores mais novos, marcou dois golos e foi considerado o melhor jogador do torneio.»

Miguel Lopes, atual treinador-adjunto do Vizela e que o orientou no FC Porto entre 2011 e 2013, depois de Tiago Moreira, lembra-se que discutia regularmente os troféus de melhor jogador nos torneios em que participava. «Era ele e o João Filipe [n.d.r.: extremo direito formado no Benfica e que também foi lançado esta época por Hélder Cristóvão na equipa B das águias]. Destacavam-se muito dos restantes jogadores ali da geração de 99.»

Após a vitória em Nápoles por 3-2 para a Youth League. João Félix (1.º no canto inferior esquerdo) apontou um golo. Irmão Hugo Félix, quatro anos mais novo, também está no Benfica

Franzino, João Félix sempre se evidenciou pela capacidade técnica acima da média. Miguel Lopes recorda que fazia parte de um grupo restrito de atletas onde, por exemplo, chegou a estar André Silva: o PJE, projeto potencial jogador de elite. «Em cada escalão havia quatro ou cinco jogadores a quem se identificava mais potencial. Uma vez por semana treinavam com o Pepijn Lijnders, o treinador holandês que depois saiu para o Liverpool.»

Polivalente, João Félix pode jogar no apoio à frente de ataque e a partir do flanco esquerdo, saindo daí para zonas interiores. «Nos dois anos em que o treinei, ele jogou em posições diferentes. No primeiro, como jogávamos em 3x4x3, ele era médio ofensivo. No segundo, como já utilizávamos o sistema de 4x3x3, era falso ala. Tinha uma liberdade grande para aparecer noutros espaços para respeitarmos um bocado as características dele.»

Características que Miguel Lopes enumera. «Era mais dotado, extremamente inteligente, muito instintivo e tinha capacidade para decidir bem nos contextos mais difíceis. Dos jogadores que me passaram pela formação do FC Porto, foi um dos melhores que treinei. Sempre foi um miúdo capaz de tirar um coelho da cartola, fazer aquela jogada que ninguém espera, o golo que ninguém espera.»

Tiago Moreira descreve-o como um «’dez’ vagabundo e instintivo». Recorda que Félix era admirador do brasileiro Kaká e, embora seja destro, compara-o a Bernardo Silva, médio que foi vendido pelo Benfica ao Mónaco em 2014. «Tem uma grande capacidade para surpreender. Quando os jogadores pensam que já o conhecem, ele inventa algo novo.»

Nesta época, João Félix soma dez golos em 18 aparições pelos juniores do Benfica entre campeonato (onde até nem joga desde dezembro) e Youth League, onde é, com três golos, o melhor marcador da equipa orientada por João Tralhão. Aos poucos, começa a conquistar espaço nos «bês» de Hélder Cristóvão, onde leva três jogos (todos como suplente utilizado) e agora um golo, apontado na partida em que esteve mais minutos (22) em campo.

O limite? «Alguns confirmam-se e o contrário também acontece. Mas, quando se tem talento e a mentalidade certa, basta que as oportunidades surjam», nota Miguel Lopes, convicto de que um dia o jovem João Félix vai vestir a camisola da equipa principal.

Tiago Moreira só pede que não restrinjam a liberdade criativa de um jogador que, apesar de ainda muito jovem, aprendeu a admirar. E remata: «Sempre disse para mim que não me importava de pagar bilhete para estar num treino se houvesse jogadores que o justificassem e eu não me importava nada se tivesse de pagar para ser treinador do Félix.»