Quando Lucas Veríssimo caiu no relvado com dores, após um sprint com Galeno, era impossível imaginar o calvário em que o brasileiro estava a mergulhar.

Suspeitou-se de imediato que a lesão era grave, afinal de contas o central abandonou o jogo de maca, naquele 7 de novembro de 2021: uma suspeita que os exames realizados nos dias a seguir vieram confirmar: uma entorse com rotura do ligamento cruzado anterior.

Sabia-se também que a temporada tinha acabado ali, numa altura em que o jogador estava em grande forma e era presença habitual nos convocados da seleção brasileira.

Mas era impossível imaginar que a ausência viesse a ser tão prolongada. Basta lembrar que as roturas do ligamento costumam obrigar a paragens de seis, sete ou oito meses.

A verdade é que passou quase um ano, até que Lucas Veríssimo voltou a jogar: 45 minutos pela equipa B do Benfica, frente ao B SAD, a pedido expresso do próprio jogador.

«Foi uma fase complicada, sim, mas foi sobretudo uma fase muito desafiadora. Ele era um homem sempre muito ativo, jogava o que estava a jogar, não parava em casa e do nada ficou totalmente dependente de mim... dava-me vontade de chorar. Sobretudo quando via que nem as coisas simples ele conseguia fazer sozinho», conta a esposa ao Maisfutebol.

«Eu e os pais dele mantivemo-nos sempre em oração juntos e passávamos muita força e incentivo para ele. Mas difícil mesmo acredito que terá sido para os pais do Lucas. Ver o filho naquela situação e não conseguir estar presente naquele momento. Eles não conseguiram vir logo de início e só estiveram aqui na fase final da recuperação.»

Amanda Farias guia-nos nesta viagem à intimidade do último ano de Lucas Veríssimo. A esposa avisa que não pode dar informações confidenciais do processo de recuperação, mas aceita partilhar como a família passou junta pelo sofrimento de ter o pai longe dos relvados.

«Os filhos ajudaram muito, claro. Era difícil para ele olhar para as crianças a brincar e ter que lhes explicar que não podia levantar-se para correr com eles», conta Amanda Farias.

«Mas o maior incentivo estava nelas, sem dúvida. Ele lutava muito para ultrapassar aquela fase de dependência dos outros, voltar a estar ali presente nas brincadeiras com as crianças e voltar a trabalhar para garantir o futuro dos filhos. Nós damos tudo por eles, o Lucas vive muito em função da família e tenho certeza que a força dele vem das crianças também.»

Veríssimo tem dois filhos, Samuel, que está quase a fazer quatro anos, e Mirella, que tem dois. Foi com eles, e com a esposa, que o jogador celebrou todas as pequenas conquistas.

Organizar festas para festejar os passos que eram dados, tornou-se obrigatório lá em casa.

«Nós comemorávamos cada progresso. Cada grau a mais que ele conseguia dobrar o joelho, já era um pretexto para fazer a festa em casa», conta.

«Tínhamos que comemorar cada mínima evolução para manter a motivação alta. Mas sem dúvida que o melhor momento foi quando ele entrou no campo e voltou a jogar novamente. Foi uma alegria sem fim e ainda mais por vê-lo a jogar de uma forma que nem parecia que ele estava a voltar de uma lesão tao séria. E ainda não sentiu dor nenhuma, jogou supertranquilo.»

Lucas Veríssimo já pode mostrar aos filhos que o pai cumpriu a promessa.

«As crianças amam ver o pai a jogar, por isso perguntavam-lhe muitas vezes porque não estava ali a fazer golos e ficava sempre na bancada a ver os jogos. Então o Lucas mostrava a cicatriz e dizia que tinha um dodói, mas que rapidamente iria passar e que voltaria a fazer golos.»

Regressando atrás no tempo, de resto, Amanda lembra-se bem das primeiras palavras para o marido, naquele difícil 7 de novembro, um dia que devia ser de festa após uma goleada.

«Nada na sua vida foi fácil e conseguiu superar cada obstáculo. Agora não vai ser diferente.»

Lucas Veríssimo estava muito pessimista naquela altura. Insistia que tudo tinha desmoronado, tudo o que conseguira construir até então, e que ia ter de começar do zero. Hoje a brasileira olha para trás e garante que ela estava certa: o marido foi um guerreiro.

«Fiquei muito triste por tudo, mas não demonstrava isso nem para ele nem para ninguém, porque precisava naqueles momentos de mostrar força por mim e por ele. E ele sempre manteve a coragem e a dedicação em cada fase da recuperação», revela.

«No início era muito gelo, remédios, fisioterapia e descanso. Vinha todos os dias cá a casa o Cláudio Correia, fisioterapeuta do Benfica, para o acompanhar e trabalhar com ele, os médicos também vinham e todos avaliavam como ele estava a cada dia.»

A recuperação foi uma maratona, com muitas pequenas vitórias e seguramente algumas derrotas. Sobre essas, Amanda Farias não fala, diz que deve ser o Benfica a fazê-lo, se houver alguma coisa para falar. Sobre as primeiras recorda o abandono das canadianas, voltar a andar sem apoio, começar a correr em linha reta, começar a poder fazer curvas, enfim.

«Acho que o maior brilho nos olhos dele foi quando o fisioterapeuta disse que ele estava já à frente do que eles imaginavam. Ele já tinha passado para fase de ginásio e fisioterapia no Benfica, mas ainda muito antes de poder voltar a correr no relvado.»

Ora voltar a correr no relvado, precisamente, foi uma conquista extremamente complicada. Segundo noticiou a imprensa brasileira, só em maio o central começou a correr em linha reta e só em junho começou a poder fazer curvas enquanto corria.

Em setembro começou finalmente a trabalhar com o grupo, mas só em outubro ficou disponível para voltar a jogar. No entanto, tanto Lucas Veríssimo como o Benfica querem promover um regresso sustentado à competição, pelo que nenhum pretende apressar o processo.

O central jogou frente ao B SAD no último domingo e foi convocado para a vitória sobre a Juventus, na terça-feira, embora não tenha saído do banco.

«O Lucas acompanhou todos os jogos do Benfica e ficou a torcer pelos companheiros. Ele tem esse lado de coração gigante, mas claro que a vontade dele era estar lá dentro e ajudar a equipa juntamente com todos os companheiros. Como não era possível, nunca deixou de ver os jogos e ficava feliz com a vitória de cada um, coletiva e individualmente», refere Amanda.

«Já eu, sinceramente, sofro mais quando ele está lá dentro. Analiso mais os jogos e vibro muito mais. É normal, é meu marido. Fico apreensiva que dê tudo certo e que ele saia satisfeito.»

Durante este ano a família passou muito tempo junta, de resto. Passeou, foi à praia, divertiu-se com as crianças na piscina, andou de barco, levou os filhos a quintas pedagógicas, fez stand up paddle, enfim, viveu os dias de uma forma a que não estava habituada.

«Os nossos momentos em família são a memória que vou guardar para sempre. Foi isso que tirámos de bom de todo o mau que a lesão foi. Vou lembrar-me para sempre da parte de estarmos 24 horas em família, coisa que é muito difícil normalmente pela exigência de viagens e jogos. Foi um momento muito bom para nós como família», conta Amanda.

«O Samuel como já entende mais as coisas, sentiu muito a vinda do pai para Portugal, porque ficamos três meses longe dele. Depois conseguimos embarcar e vir para Lisboa, mas com os jogos do Benfica e da seleção ele ficava muito pouco tempo em casa. Por isso o Samuel ficou muito receoso. De cada vez que o pai saía ele achava que iria demorar muito tempo para voltar. Então este tempo juntos foi muito bom para as crianças aproveitarem a presença do pai.»

Já no final de agosto, na parte final do processo de recuperação, uma delegação da seleção brasileira veio ao Seixal ver Lucas Veríssimo e conversar com os médicos do Benfica.

Um sinal de que a seleção brasileira continuava atenta e interessada no central encarnado.

O regresso acabou por demorar mais do que o esperado, inicialmente acreditava-se que podia começar a época já recuperado, o que colocou um ponto de interrogação sobre uma possível presença no Mundial 2022. Lucas Veríssimo está, porém, na lista de 55 pré-convocados.

«A esperança é a última a morrer. Há um por cento de hipóteses de ver o Lucas Veríssimo no Mundial e 99 por cento de fé. Agora que seja o que Deus quiser.»

Como a própria Amanda costuma dizer, nada na vida do marido foi fácil. Mas ele está aí, de regresso, e pronto para recuperar tudo o que já tinha conquistado.