«As coisas não mudam. Nós entrámos aqui com um objetivo, levar a equipa até ao final desta época»

Antes da receção ao Famalicão, Nélson Veríssimo repetiu o que diz a cada conferência de imprensa. Mesmo que, como acrescentou, «o estado de espírito» em relação ao seu trabalho seja atualmente bem mais positivo do que há algumas semanas. Se puxarmos pela memória, recordando o percurso dos treinadores de transição na Luz, percebemos que já aconteceu por várias vezes as coisas afinal mudarem mesmo, mas tudo indica que não seja esse o caso esta época. O Benfica de Veríssimo marcou pontos com a boa impressão deixada na Liga dos Campeões e com a vitória no dérbi. Mas o treinador que substituiu Jorge Jesus no final de dezembro, na segunda vez que assumiu como interino na Luz, foi formalmente mandatado até final da época. E quando se aguarda a confirmação de Roger Schmidt como novo treinador, para Nélson Veríssimo deverá mesmo abrir-se outro caminho.

O Benfica recorreu por várias vezes à solução interna, o homem da casa que pega na equipa até chegar novo treinador. Uma posição que pode ser vista de várias formas. Por um lado, há uma potencial maior fragilidade na capacidade de decisão e liderança de um treinador a «termo certo». Por outro, há uma oportunidade para aproveitar. É nesse ponto que se foca Toni, treinador com longa experiência e também várias passagens por esse papel de transição na Luz.

«Quando acontece esta oportunidade, é agarrá-la. Só tens que fazer o teu melhor e fazer com que as coisas aconteçam», diz Toni em conversa com o Maisfutebol: «Desde que não seja um presente envenenado. E eu acho que não foi. Não era expectável o que aconteceu e o Benfica recorreu a quem já conhecia, que já tinha tido a experiência. Não sabemos o que foi acordado entre o Veríssimo e o presidente Rui Costa, mas o Nélson Veríssimo diz que tem estado por dentro de tudo. Acredito e quando assim acontece há transparência e é bom para o Rui Costa e para o treinador, que sabe que todo o trabalho que fizer está a capitalizar.»

Veríssimo, acredita Toni, conseguiu tirar partido desta segunda passagem pelo banco do Benfica. Sobretudo com a impressão que está a deixar nesta reta final. «Acho que ele soube capitalizar este tempo que esteve à frente da equipa principal. Num espaço curto de tempo, mudou o sistema que o Benfica estava a utilizar. Não é fácil, não tem tempo para consolidar processos. E rompeu também com alguns jogadores, não teve rebuço por exemplo em pôr o João Mário no banco», analisa: «Os primeiros tempos não foram nada fáceis. Objetivamente, quando entrou estava a quatro pontos, agora está a 15. Foi eliminado da Taça de Portugal e da Taça da Liga. Mas isso quase já está num segundo plano, porque o que fica são quase sempre as últimas impressões. Havia uma ideia e agora, com a eliminação do Ajax, com uma certa dignidade na eliminação com o Liverpool e com a vitória sobre o Sporting, está-se a pintar com cores mais vivas em relação àquelas que se pintou inicialmente. Há dividendos que o treinador vai retirar.»

Toni e o «tempo dos tostões»

Toni tem um percurso de mais de três décadas de ligação ao Benfica, como jogador e depois em vários momentos como treinador. Foi interino em três ocasiões diferentes, foi adjunto e treinador principal. Em novembro de 1987/88 substituiu Ebbe Skovdahl e terminou a época a disputar a final da Taça dos Campeões Europeus. Na temporada seguinte assumiu como número 1 e foi campeão nacional, mas no verão de 1989 Sven-Goran Eriksson regressou ao clube e Toni passou a adjunto. Voltou a assumir a equipa em 1992/93, depois da saída de Eriksson. Continuou para a época seguinte, foi de novo campeão nacional e voltou a ver o clube contratar novo treinador. Dessa vez saiu, para treinar o Bordéus. Ainda voltou uma terceira vez, quando em dezembro de 2000 substituiu José Mourinho, e também aí começou de novo a temporada seguinte, antes de decidir sair pela última vez, dando lugar ao então seu adjunto Jesualdo Ferreira em dezembro de 2001. Foi a vez de o próprio Jesualdo assumir um papel de transição, acabando por ser confirmado no final da época e começar temporada seguinte como treinador principal.

O percurso sem par de Toni é coisa de outro tempo, diz o próprio: «Fui adjunto, depois fiquei como treinador principal até final da época, fomos à final da Taça dos Campeões Europeus 20 anos depois, depois prolongou-se e a seguir fomos campeões. Depois voltei a adjunto. O que aconteceu comigo é uma coisa que hoje era impensável. Na altura a conjuntura levou-me a que continuasse. Hoje não o faria. Portanto, esse tempo é outro tempo.» Não havia, explica, as saídas que há hoje em dia para os treinadores: «Naquele tempo quase nem empresários havia. Era uma altura completamente diferente, era a época dos tostões. Passado quatro anos estava a ser de novo treinador principal e a ganhar e a vir outro treinador e eu nessa altura saí. Se fosse seis anos depois, que já teria ainda mais hipóteses, já teria aparecido o dinheiro, dos árabes e dos chineses… É preciso ver a conjuntura.»

Do «bombeiro» Mário Wilson à reviravolta de Lage

Ao longo dos anos, o Benfica recorreu várias vezes a treinadores de transição, vários deles em mais do que uma ocasião. Além de Toni, também Mário Wilson o fez em três momentos diferentes: o «Velho Capitão» que já tinha sido campeão no banco do Benfica na primeira passagem pela Luz, em 1975/76, assumiu a equipa em setembro de 1995, depois da saída de Artur Jorge e até final dessa temporada, quando conquistou a Taça de Portugal. Depois saiu, entrou Paulo Autuori e Mário Wilson voltou a assumir o banco num breve período em janeiro de 1997, na transição entre o técnico brasileiro e Manuel José. Regressaria uma última vez ainda no final desse ano, antes de chegar Graeme Souness.

Na reta final desses atribulados anos 90 na Luz, o treinador escocês saiu ainda antes de terminar a época de 1998/99 e nessa altura o Benfica voltou a recorrer a uma solução interna. Foi a vez de Shéu Han terminar a temporada, orientando a equipa em quatro jogos, para depois voltar ao seu papel de décadas nos bastidores, como secretário técnico. Seguiu-se Chalana, que fez um jogo no banco em novembro de 2002, entre a saída de Jesualdo Ferreira e a entrada de José Antonio Camacho assumir a equipa, e voltaria a ser chamado à equipa principal na reta final da temporada de 2007/08, quando terminou a segunda passagem do espanhol pela Luz. Ao fim de 10 jogos no banco, o «Pequeno Genial» integrou na época seguinte a equipa técnica de Quique Flores, antes de se dedicar ao trabalho na formação do clube.

Passou muito tempo até o Benfica voltar a virar-se para dentro na hora de decidir mudar de treinador. E dessa vez foi uma aposta totalmente ganha. Bruno Lage pegou na equipa em janeiro de 2019, com o Benfica a sete pontos da liderança, e acabou campeão, depois de uma segunda metade de temporada notável.

De interino passou a efetivo em 2019/20, mas também ele saiu antes de terminar a temporada. Foi substituído por Nélson Veríssimo, então seu adjunto. Depois de orientar a equipa nos últimos seis jogos da temporada, Veríssimo afastou-se por uns meses. Mas voltaria ao Benfica no final de 2020 para treinar a equipa B, quando Renato Paiva saiu. Era lá que estava, na segunda temporada, quando voltou a dizer sim à oportunidade de treinar o Benfica, agora para meia época.

Os «quatro caminhos» de Veríssimo

O que se segue depois de um período como «bombeiro» de serviço depende dos resultados, claro, mas também do contexto e do próprio projeto de carreira do treinador. Com mais oportunidades hoje em dia, como nota Toni: «Basta ver para onde foram os treinadores que saíram do Benfica nos últimos anos. O Rui Vitória saiu daqui e foi para o Al Nassr ganhar não sei quantos milhões, o Bruno Lage foi para Inglaterra.»

Veríssimo, na opinião de Toni, tem várias hipóteses, entre continuar na Luz ou sair. «Pelo que vem sendo dito, para mim há quatro saídas. Ou continua no Benfica e volta para a equipa B, ou vai para a equipa técnica do novo treinador, ou continua na estrutura do clube, ou tem um projeto de carreira que o leva a pensar em sair, a pensar: ‘Não, agora está na altura de eu, já que tive este trajeto, ver clubes interessados no meu trabalho, quer nacionais, que estrangeiros.’»

«Só ele é que poderá responder no final da época», conclui Toni: «O Nélson Veríssimo é um jovem, com uma personalidade forte, sabe bem o que quer e vai decidir com certeza o que é melhor para ele, sabendo que está há muitos anos ligado ao Benfica e também em função do que é o seu entendimento com Rui Costa. Penso que saberão decidir aquilo que serve os interesses do clube e do treinador.»