António Lobo Antunes tem uma frase deliciosa. ‘Todos os bocadinhos contam, diz o rato depois de mijar no mar’.  Não se pode dizer que o jogo da Luz tenha sido só um bocadinho mais, mas também não foi o Dérbi do Século que se anunciava.

No fundo, a montanha pariu um rato (lá está!) e fica tudo adiado mais uma semana.

Em boa verdade, é justo que assim seja. Quer dizer, vamos ser honestos: este campeonato não merece ter um campeão épico, que seria o que ia acontecer se saísse deste dérbi.

Sporting e Benfica - e o FC Porto ainda mais, mas esse já não entra nestas contas - foram um pouco de menos nesta temporada. Um deles vai ser campeão, é certo, mas não será um campeão impressionante. Será um campeão mais ou menos.

Ou um campeão, pronto.

Para se perceber como Sporting e Benfica têm sido um bocadinho de menos, basta ver que o Estádio da Luz, por exemplo, raramente foi o Inferno da Luz que se imaginava. Foi preciso Jonas ir pedir mais ao intervalo e foi preciso Pavlidis e Akturkoglu virarem-se para as bancadas logo no reinício do jogo, para se sentir de facto o estádio a abanar.

É verdade que os jogadores deram tudo lá dentro. Não tinham mais uma pinga de suor para libertar, no fim de noventa minutos de tanta emoção, nervos e combate. Foi um dérbi marcado por uma enorme tensão, que se sentia em todos os momentos: em todos os duelos.

Mas para lá dessa tensão, o que sobrou?

Bem, sobrou uma história que mudou consideravelmente quando Pavlidis se vestiu de Maradona e se imaginou no Estádio Azteca a fintar ingleses: passou por toda a gente, foi para um lado e para o outro, ganhou a linha de fundo e serviu o golo numa bandeja a Akturkoglu.

Aquele momento de pura inspiração pelusiana veio mudar muita coisa.

O Sporting, é verdade, sempre teve menos bola, mas a partir daí deixou de chegar à baliza.

Em meia hora, um remate de Trincão e outro de Gyokeres, de fora da área e sem perigo, foi o melhor que conseguiu fazer no ataque.

O resto do tempo foi defender, defender, defender.

Ele que na primeira parte, por exemplo, tinha sido o único a acertar na baliza adversária: três remates enquadrados com os postes, contra zero dos encarnados.

Isto, lá está, tendo menos bola, jogando fechado na retaguarda, com as linhas bem juntinhas e depois... bola na frente, à procura de Gyokeres. Sempre, sempre, sempre.

Mas não havia outra saída?

Não, não havia. Era sempre assim. Quer dizer, na segunda parte as saídas procuravam Trincão na direita, que depois metia em Gyökeres mais à frente. O que é basicamente o mesmo, mas com uma escala no caminho.

Numa dessas jogadas, fez um golo logo na madrugada do jogo, depois do sueco fugir na esquerda e servir Trincão. Um golo que, refira-se, era o melhor que o Sporting podia pedir. Mas que, refira-se também, não mexeu em demasia com o Benfica.

Os encarnados continuavam mandões, assumiam a posse de bola, jogavam no meio-campo adversário e mantinham todas as opções em aberto sempre que a bola chegava a Di Maria.

Será que era suficiente?

Não era, como os zero remates enquadrados com a baliza provam.

Ao intervalo, Di Maria deu o lugar a Schjeldrup e essa mudança parecia corresponder a uma sessão no divã do terapeuta para o Sporting. Afinal de contas, o adversário voltava sem o grande nome e, sobretudo, sem o mais perigoso jogador na primeira parte.

O Benfica, sem Di Maria, parecia um bocadinho menos Benfica e isso acalmava o pulso dos leões. Até que Pavlidis se vestiu de Maradona, lá está.

A partir daí só uma equipa podia ganhar: e essa era o Benfica. O Sporting perdeu tempo, e perdeu tempo, e perdeu mais tempo, defendeu e defendeu, até que segurou o empate.

No fim, foi o único a festejar. O que parece claramente um exagero.

É certo que saiu do dérbi vivo e líder do campeonato. A pensar que vai decidir o título em casa, frente ao Vitória, enquanto o Benfica tem de ir a Braga.

Mas aqueles abraços efusivos por tão pouco, parecem excessivos. Parece, no fundo, que a equipa estava a assumir que queria só aquilo, embora aceitasse tudo o que viesse acima disso. Não veio nada, e mantém-se tudo na mesma.

Para a semana há mais. E o Vitória já uma vez tramou Rui Borges esta época, lembram-se? Tal como Braga há muito deixou de ser um benfiquistão. Isto ainda não acabou, portanto.

A emoção segue dento de momentos.