Desculpem as senhoras, mas preciso de desabafar.

Não é fácil ser homem. Não é fácil ver passar o tempo e não crescer. Ser para toda a vida imaturo, deixar as meias no chão, esquecer-se dos almoços, coçar-se em público e receber um desconto. Na pior das hipóteses, um ralhete e um desconto.

Não é fácil ser homem, com todas as regalias a que temos direito, e num dia, num dia apenas, num dia qualquer, perder tudo. Ver acabar as mordomias, o Porto tónico, as massagens nos pés, os jantares regados a vinho e gargalhadas.

Porquê? Porque um pigmeu de ranho, que puxa a risota, que puxa a lágrima, enche a casa de gritos, correrias e amor. Um anjinho com tiques de ditador. Um fascista de afetos, um soberano de sorrisos, um despota de carinhos e ternuras.

Do alto da nossa infantilidade, queremos invejar e não conseguimos. Queremos protestar e não somos capazes. Queremos atirar-nos ao chão, bater o pé, chorar, rebolar, gritar, arrancar cabelos e não podemos. Pela razão mais estúpida.

Porque o chão já está ocupado.

O instinto é gritar com aquela pestinha cheia de olhos cor de vida, mas como qualquer psicólogo dirá, não se grita com uma criança que está a fazer uma birra.

Há livros a explicar que a birra é uma parte natural do desenvolvimento e que há formas eficazes de lidar com ela. É preciso sobretudo validar os sentimentos da criança, manter-se positivo e não levar a coisa para o lado pessoal.

É difícil? Oh, se é difícil. Mas se a parentalidade fosse fácil não era para o Rui Vitória. Perdão, não era para nós.

Ora não pude deixar de pensar nisto quando vi as críticas de dentro da seleção aos assobios de Alvalade a João Mário. No fundo o princípio é o mesmo: há uma birra e há gritos para lidar com a birra. Mas não se grita com uma criança que está a fazer uma birra.

Eu percebo os gritos. Perdão, as críticas. São a reação normal à frustração de uma atitude incompreensível. É fácil perder a paciência com as birras.

Mas a construção de um espírito de seleção, tal como a parentalidade, é uma jornada longa. Como explicam os livros, há que saber educar, compreender os sentimentos e transmitir segurança.

As críticas aos assobios não trazem mais adeptos para junto da seleção. Não trazem, seguramente, aqueles adeptos para junto da seleção.

Portugal é futebolisticamente um país muito politizado em torno dos três grandes, a clubite é uma questão profunda, mas não é impossível de contornar.

A Argentina, precisamente ontem à noite, voltou a mostrar que não o é.

Poucos países como o atual campeão do mundo têm uma rivalidade tão grande entre dois clubes. Poucos países tem uma animosidade tão forte entre adeptos. Mas os argentinos sabem como separar as coisas, e não levar os clubes para dentro da seleção. As demonstrações de paixão pela equipa nacional nos últimos meses foram brutais, e foram também um sinal de esperança para o mundo.

É possível ultrapassar a clubite quando joga a seleção, mas para lá chegar há um longo caminho a percorrer. O amor à equipa nacional tem de ser trabalhado. Com calma, com paciência, com um espírito positivo, com compreensão e amizade.

É um trabalho que tem de ser feito todos os dias.

Não basta as campanhas antes de uma grande competição. Têm de convercer-nos. Têm de apaixonar-nos, emocionar-nos. Temos de ver nos olhos das pessoas que a seleção é especial. No fundo dos olhos: não no volume da voz.  

Não se grita com uma criança que atravessa um momento de frustração.

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, editor-chefe do Maisfutebol