O Manchester United não se endireita e Alex Ferguson voltou à carga. Exatamente um ano depois de ter lançado a sua autobiografia, com muito veneno, o antigo treinador publica nova versão do livro, atualizada. Cheia de recados, para Old Trafford e não só. A nova edição do livro, que será oficialmente lançada nesta quinta-feira e já teve excertos divulgados na imprensa britânica, pretende cobrir a vida de reformado de Ferguson, mas entretém-se, muito, a ajustar contas. E a rejeitar culpas na situação do clube, que terminou a época passada fora dos lugares europeus. E que esta época, com Van Gaal, está na sexta posição da Premier League, a 10 pontos do líder Chelsea. Na segunda-feira o United evitou uma derrota em cima da hora, sem ter conseguido ainda ganhar fora de casa.

Ferguson rejeita, para começar, a ideia de que tenha sido o único responsável pela contratação do seu sucessor, David Moyes. Diz ainda que Moyes não percebeu a dimensão do clube onde tinha chegado. E que falhou porque a equipa jogava de forma lenta. Ferguson também responde a quem o acusa de ter deixado uma estrutura envelhecida no clube. E, de caminho, jura que tentou manter-se afastado e nunca voltou ao centro de treinos de Carrington, nem entrou no balneário.



A escolha de Moyes, primeiro: «Seguramente as pessoas não acreditam que a família Glazer permitiria que o novo treinador fosse escolhido por uma pessoa. Parece haver uma visão aceite de que não houve um processo. Disparate. Sentimos que fizemos tudo da forma certa: discreta, exaustiva, profissional.»

Depois, aponta os erros de Moyes. «Ele não percebeu quão grande é este clube», atira, antes de revelar também que o antigo treinador do Everton não quis manter Mike Phelan como adjunto, ao contrário do que ele, Ferguson, sugeriu.

Além disso, diz, Moyes introduziu um ritmo de jogo mais defensivo, mais lento, que contrariava o ADN do United. «O ritmo de jogo abrandou. Conseguia vê-lo. Mas todos os treinadores têm o seu estilo preferido. A razão para jogarmos em velocidade era que os jogadores do United estavam habituados a jogar assim. Se o ritmo abrandasse por alguma razão, eu caía em cima deles ao intervalo. «Isto não somos nós», dizia. Jogar com velocidade nunca condicionou os nossos resultados. Era o nosso estilo: energia e determinação no último terço do relvado.»

Ver jogar o United tornou-se penoso, continua Ferguson, ele que foi presença regular nas bancadas de Old Trafford ao longo de toda a época passada. E a pressão sobre Moyes era de mais: «À medida que os resultados se deterioravam, cada derrota era como uma martelada sobre ele. Em janeiro comprámos o Juan Mata e isso animou toda a gente, mas conseguia ver as paredes a encolherem, deixando o David com cada vez menos espaço para respirar. Conheço essa sensação de 1989, quando passámos por uma fase terrível. Sentimos que estamos a ser esmagados.»

Ferguson revela que teve a certa altura uma conversa privada com Moyes, depois da derrota em casa com o City por 3-0. E garante que não teve nada a ver com o despedimento do treinador. Aliás, diz que soube quando viajava de avião, olhando para o jornal de outro passageiro. «Ao mesmo tempo, o David mandou-me um sms. Não sabia o que dizer-lhe.»

O escocês aproveita para responder a outra das críticas que lhe fizeram, de se ter mantido demasiado próximo, aumentando a pressão sobre Moyes e a equipa. «O Moyes ficava contente por me ver», garante Ferguson, acrescentando que deixou sempre «uma distância de respeito» e que Carrington, o centro de treinos, era «fora dos limites» para ele.

«Os jogadores vieram ter comigo para se queixar? Outro disparate», atira, embora admita que Rio Ferdinand e também Patrice Evra o procuraram quando quiseram decidir o seu futuro.

Depois, tenta também desmontar a ideia de que deixou uma equipa envelhecida, defendendo que no United campeão de 2012/13 havia menos jogadores com menos de 25 anos. «O Chelsea começou a época como favorito ao título, com uma equipa que também tinha seis jogadores nos trinta anos. Não ouço ninguém falar de um grupo envelhecido.»


«Antiquada é uma descrição bizarra para a estrutura que deixei no Manchester United. Viram o novo centro de treinos?» atira ainda.

Nota ainda para Van Gaal sair ileso deste ajuste de contas de Ferguson. O escocês define o holandês como uma «boa escolha». «O Louis é o que eu chamo um treinador dos treinadores. Se tivesse que escolher uma palavra para ele seria formidável. É ultra-profissional. O futebol é a vida dele.» E também elogia a escolha de Giggs para adjunto: «É uma decisão ótima. O Louis pode ensinar o Giggs. E o Giggs pode ensinar o Louis a perceber os meandros do United.»

Num tom mais pessoal, Ferguson admite por fim que foi para si difícil deixar o banco, reconhecendo mesmo que se sentiu «um pouco desorientado». É assim que descreve como se sentiu na bancada, a ver de longe os jogos da equipa: «Tinha sido treinador do United durante quase 27 anos, e agora estava num camarote com os adeptos a pedirem-me autógrafos.»