Graeme Souness acaba de lançar uma biografia («Futebol: a minha paixão, a minha vida»), na qual recorda a passagem pelo Benfica.

«Percebi rapidamente que o Benfica era como o Rangers, Celtic ou Man Utd de Portugal. Com um apoio enorme, mas também com expectativas elevadas. Eles estavam em sétimo lugar e na minha primeira época acabámos em segundo», começa por relembrar.

Souness defende as contratações de jogadores britânicos como Dean Saunders, Brian Dean, Mark Pembridge ou Michael Thomas, dizendo que queria jogadores «sólidos e fiáveis».

Mas na sua biografia o técnico fala sobretudo de Vale e Azevedo e dos problemas financeiros que o Benfica tinha então.

«Cheguei ao estádio, de manhã, e vi os jogadores desmoralizados. Perguntei o que se passava ao diretor, um antigo jogador do clube, colega de Eusébio, natural de Moçambique (ndr. provavelmente será Shéu Han). Ele disse-me: "Mais uma vez os jogadores não receberam os ordenados". Liguei ao presidente e disse-lhe: "Os jogadores estão em baixo e não vou conseguir nada deles esta semana se não receberem". Responde-me ele: "Mas eu estive com o diretor aqui ontem e entreguei-lhe os cheques. Não percebo o que se passa". Desligo o telefone e falo com o diretor: "Ele diz que esteve contigo ontem e deu-te os cheques em mão". "Não vou ao escritório dele há meses", responde-me ele.»

«Por vezes a situação tornava-se embaraçosa, por não pagarmos os jogadores contratados. Tínhamos uma dívida de dois milhões de libras ao Manchester United, por causa do Poborsky, e eu recebia chamadas de Inglaterra a perguntar se Vale e Azevedo ia pagar. Na altura não fazia ideia de que não tínhamos dinheiro, não fazia ideia que ele estava a tirar dinheiro do clube», garante Souness.

«Tive de recorrer à UEFA para receber a minha indemnização, e mesmo assim não recebi tudo, o que me desapontou», completa o escocês.

Souness recorda ainda que, nessa altura, foi aconselhado por um amigo, Ray Clarke, a observar um avançado do Heerenveen. 

«Fui à Holanda e fiquei extremamente impressionado, pelo que convenci o presidente a ir comigo ver o jogador e perceber porque devíamos contratá-lo. Apanhámos um avião da KLM para fazer a viagem Lisboa-Porto-Amesterdão. Na manhã da viagem o Ray disse-me para vermos se ainda ia haver jogo, pois existia o risco de ser adiado devido ao nevoeiro. Vimos isso ainda em Lisboa, e o jogo continuava marcado. Ao chegarmos ao Porto recebi a informação, pelo Ray, de que o jogo tinha sido adiado. Saímos do avião e voltámos de carro para Lisboa. O avançado que o Benfica falhou? Ruud van Nistelrooy.»

Souness diz que «foi um privilégio treinar um clube como o Benfica», e até admite que gostou de Vale e Azevedo, mas também diz que nunca olhou para o título como um objetivo realista.

«Nunca íamos ser campeões. Podíamos conseguir uma aproximação ao FC Porto, o clube dominante, mas existia sempre a sensação de que não teríamos o tratamento justo por parte de alguns árbitros no norte, onde estava o poder do futebol português», refere.

O antigo treinador fala ainda de Hugo Leal, que apareceu então na equipa principal do Benfica.

«Assim que entrou na equipa o empresário aparece a bater à porta, pois ele teve boas críticas. Mais tarde jogou no Atlético de Madrid e no Paris Saint-Germain. Era como o Brian Laudrup, do estilo driblador, com enorme potencial. Fez alguns jogos, recebeu elogios e o empresário já estava a pedir um novo contrato. O presidente deu-lhe um novo contrato e depois apareceu um BMW branco, novo, na garagem. Lembro-me de estar a regressar a casa, após um jogo fora, e ver na autoestrada vários jogadores na berma, com esse BMW enfiado nas barreiras de segurança», recorda Souness.

«Esta história da passagem pelo Benfica, de dar muito a alguém demasiado cedo, cada vez mais se aplica ao nosso futebol. Mimamos os jogadores e depois eles acabam com um problema de atitude, porque toda a gente na rua os respeita, mas não pelo que eles conquistaram no desporto, mas sim pelo estilo de vida e o dinheiro que o futebol lhes deu», conclui.