Joseph Blatter diz que Cristiano Ronaldo gasta muito dinheiro no cabeleireiro enquanto faz uma pantomina a mostrar como o português «parece um militar» em campo e remata a dizer que prefere Messi. Está tudo em vídeomas às reações indignadas o presidente da FIFA responde com um pedido de desculpas a dizer que as suas palavras, fora do contexto, foram mal interpretadas . Quantas vezes já vimos este filme.

Blatter anda nisto há mais de 30 anos. É presidente da FIFA desde 1998, antes disso foi diretor e secretário-geral, começou por lá em 1975. Ao longo da sua carreira, chamemos-lhe assim, o mundo do futebol já perdeu a conta a estes episódios de incontinência verbal do suíço.

Como este artigo não é em inglês, perdemos a oportunidade de fazer o trocadilho com a palavra bladder, bexiga, portanto fiquemo-nos pelos factos. Portugal, para começar, também já teve a sua conta de broncas com Blatter. Uma delas envolveu Vítor Baía, Scolari, a Federação e o Governo português duma assentada, muito a fazer lembrar esta agora com Cristiano Ronaldo.

Numa entrevista a uma publicação croata, em abril de 2004, Blatter falava de corrupção associada a influências políticas no futebol mundial. E deu este exemplo: «Recentemente, recebi uma delegação de Portugal que se queixou de que vários políticos e agentes pressionam para que Vítor Baía seja chamado à seleção nacional, apesar de o treinador não o querer.»

Houve reações indignadas em Portugal e Gilberto Madaíl, na altura presidente da Federação, exigiu esclarecimentos. E lá veio Blatter, dizer que não disse: «Posso garantir que em nenhum momento disse que políticos tentaram influenciar a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e o técnico Luiz Felipe Scolari para que Vitor Baía fizesse parte da lista de convocados para o Mundial de 2006.»

Também já tinha armado confusão com Cristiano Ronaldo antes. Escravo, lembra-se? Já lá vamos.

Blatter, o sobrevivente que dura e dura no meio de ondas sucessivas de controvérsia, suspeitas e acusações de corrupção e tráfico de influências ao organismo a que preside, gosta de dizer coisas. E tanto se arvora em especialista do jogo, como quando defende a abolição dos empates, ou noutra ocasião das grandes penalidades, como deixa cair dislates a roçar a homofobia ou o machismo, ou mete a foice em seara alheia, leia-se clube ou país alheio.

O que se segue é, em discurso direto, uma seleção dessas coisas, chamemos-lhes assim, ditas pelo homem que, juram em Inglaterra, foi nos anos 70 presidente de uma organização chamada Sociedade Mundial dos Amigos das Ligas, cuja finalidade era fazer lobby para que as mulheres voltassem a usar ligas, em vez de collants.

Por falar em mulheres.

«Deixem as mulheres usar roupas mais femininas, como fazem no voleibol. Podiam, por exemplo, usar calções mais curtos. As jogadoras são bonitas, se me permitem dizê-lo, e já têm algumas regras diferentes dos homens, como a bola mais leve. Essa decisão foi tomada para criar uma estética mais feminina, então por que não fazê-lo com estilo?»
Janeiro de 2004, a proposta dele para dinamizar o futebol feminino

«Todos os jogos deviam ter um vencedor. Não teríamos que voltar a casa com um empate. Quando jogamos às cartas ou a jogos de salão em família há sempre um vencedor e um perdedor. Devíamos ter coragem também no futebol para chegar a uma decisão em cada jogo. É o que eu quero.»
Abril de 2006

«Temos cerca de quatro anos, por isso penso que há tempo suficiente para implementar. Repetir o jogo, tendo em conta que se trata da final, talvez não seja viável, por falta de tempo. Talvez tirar jogadores e jogar o golo de ouro. O futebol é um desporto de equipa e as grandes penalidades são um aspecto individual»
Julho de 2006, a querer acabar com os penáltis

«Acho algo surpreendente que a pátria do futebol tenha ignorado a lei sacrossanta ou a crença de que o selecionador deve ser do mesmo país que os jogadores»

Em 2008, quando a Inglaterra nomeou Fabio Capello selecionador

«É escravatura moderna a forma como os clubes transferem ou compram jogadores»
Junho 2008, a criticar o Manchester United por não vender Cristiano Ronaldo ao Real Madrid; depois disse que nunca quis chamar escravo ao português. Sim, foi mal interpretado.

«Ouçam, isto é uma abordagem especial dos países anglo-saxónicos. Se isto tivesse acontecido, digamos, em países latinos, acho que Terry até teria sido aplaudido»
Fevereiro 2010, quando John Terry perdeu a braçadeira de capitão da Inglaterra depois de se saber que teve um caso extra-matrimonial

«Diria que os gays se devem abster de atividades sexuais»
Dezembro de 2010, questionado sobre o que recomendaria a um homossexual que quisesse ir ao Mundial do Qatar em 2022, num país onde a homossexualidade é criminalizada. Pediu desculpas depois, sim.

«Não há racismo em campo, mas talvez uma palavra ou um gesto que não são corretos. Quem se sentir afectado deve dizer «Isto é um jogo» e apertar as mãos»
Novembro de 2011, quando todo o mundo falava de racismo em campo por causa de Suarez e Evra, mais John Terry e Anton Ferdinand

«Alguém abandonou a sala repentinamente. Em vez de um empate 10-10, ficou 10-9 a favor da Alemanha»
Em julho de 2012, numa entrevista, a falar do processo de escolha da Alemanha para organizar o Mundial 2006. Depois de uma chuva de críticas germânicas – Beckenbauer até disse que a votação nem ficou assim, mas em 12-11 – lá veio o esclarecimento de Blatter. Ele não queria dizer que a Alemanha cozinhou a coisa, queria apenas dizer que «quem quiser pode sempre encontrar razões para elaborar teorias da conspiração.» Mal interpretado, lá está.

«Mundial no Qatar talvez tenha sido um erro»
Ou não. A declaração surgiu publicada numa entrevista ao site InsideWorldFootball, Blatter a dizer que «talvez tenha sido um erro» a decisão de atribuir o Campeonato do Mundo de 2022 ao Qatar. A seguir veio a clarificação. Adivinhou. Blatter diz que foi um mal-entendido, que apenas considerou «um erro» ter sido decidido que o Mundial seria... no verão.
Setembro 2013