How do you think it feels
and when do you think it stops

How do you think it feels
when you´ve been up for five days, come down here mama
Hunting around always, ooohhh
' cause you´re afraid of sleeping 

Uma experiência real. Duas cobaias. Um gordo, o outro magro. Voluntários ao acaso. Talvez um não fosse tão gordo ou o outro não estivesse tão magro, afinal. E, assim, podiam ser vocês. Ou um guarda-redes. Um defesa. O maior assistente, o goleador maior. Sentaram-nos, amarraram-nos a uma cadeira e, antes de serem vendados, mostraram-lhes, à vez, os macabros utensílios de tortura. A serpente. As ratazanas. A tarântula, o escorpião. A escuridão desse quarto escuro onde só se veria, já a seguir, com recurso a infra-vermelhos, fechou-se ainda mais, com as vendas apertadas em cima dos olhos. E o silêncio. O ar ficou mais raro, mais denso a cada inspiração, tão mais difícil de engolir.

A essas duas cobaias, fechadas nesse estádio de negro, nada mais disseram. Não lhes juntaram efeitos sonoros de filme de terror ou violino agonizante, apenas o vazio e o silêncio dançavam à sua frente. Isolados como o astronauta em supporting role que se perde da nave num bom filme de ficção científica. Soltaram-nos algemados dentro da caixa de Pandora, aquela que contém todos os males do mundo, catalogados por ordem alfabética. Ratazanas começaram a trepar-lhes as pernas. Atiraram-lhes a cobra venenosa para o colo. Uma mamba africana fica sempre bem, que o diga Tarantino. Os pêlos da tarântula roçaram-lhes os braços, o pescoço. Primeiro, vieram os arrepios. Depois, o tremer incontrolável. O primeiro grito, o segundo. Quando viria a picada? A dentada? Na outra cadeira, a outra cobaia nada dizia. Nada fazia. Petrificado, morto sem óbito e extrema-unção, apenas de ansiedade, esquecendo-se de apertar o coração nas mãos antes de este disparar em corrida.

Dizem-vos para pôr a mão dentro de uma caixa, sem que vos mostrem o que lá está. E têm de aguentar ali, sem a verem, decepada pelo buraco que fizeram na madeira à medida do vosso pulso, tão justo que nada vos deixa ver. É impossível não sentir o formigueiro. A pele a queimar. Uma picada forte e dolorosa. A carne a ser mastigada. A palma a ser trespassada por uma lâmina afiada. O que estará lá dentro? Quando virá a dor? Tal como a serpente era apenas uma mangueira, e as ratazanas luvas peludas, a caixa está vazia. O nosso cérebro coloca lá o resto. A mente é a maior armadilha de todas.

O Dragão é essa caixa negra fechada. O Dragão, que fica logo ali na Segunda Circular, quando se deixa a  Luz, na saída que se segue à do Estoril. Uma caixa escura onde disseram a Maurício para pôr o pé direito e não o tirar por nada deste mundo. Até que veio o tal formigueiro, e depois as cãibras a meio da segunda parte. Os músculos já não esticaram o suficiente, já não foi a tempo de evitar a vénia de Rojo a Danilo ou tapar aquele cruzamento da esquerda que acabaria com tudo. O Dragão, que ainda era Antas quando expulsou Juskowiak, Vujacic e Peixe vinte anos antes. O Dragão, onde David Luiz começou a imaginar aquela corrida imparável de Hulk ainda não tinha deixado o hotel, de saída para o estádio. 

A verdade é que, sim, o Dragão não é bem uma caixa vazia, mas, no clássico, Jackson não foi escorpião, Fernando nem polvo nem tarântula. Varela raramente serpenteou pelos rivais. Os jogadores do Sporting puderam pôr as duas mãos na escuridão e fechar os punhos, sem saírem mordidos. Mas bastou que o imaginassem, que o cérebro os atraiçoasse. Bastou que Maurício, Rojo e os outros tomassem decisões que ainda não tinham tomado. A ansiedade derrubou Alex Sandro, incentivou Rojo a sair à queima a Danilo. O corpo todo, dentro da caixa vazia, começou a doer. O que é que vocês acham que se sente? No Dragão, o que acham que se sente?

How do you think it feels
and when do you think it stops


 
RIP, mr. Reed!

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«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol. Pode segui-lo no FACEBOOK e no TWITTER. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.