A estupidez devia mesmo pagar imposto.

Mesmo que o português mal consiga respirar com o piano que lhe caiu em cima e de debaixo do qual não consegue sair há muito por culpa da troika. Além dos que já paga, por vezes em parcelas mais acessíveis, negociadas, por não ter antes conseguido cumprir, há muito bom português que devia ser penalizado também pelas coisas que faz. Ou diz.

Isoladas são apenas tolice. No meio de uma multidão rastilho de combustão rápida.

As redes sociais não podem ser sempre desculpa, o único antro de perversão e de onde vêm todos os males do mundo, qual caixa de Pandora. Há pessoas que se comportam fora delas da mesma forma, com a mesma irracionalidade, que tanto pode ser a interpretação de um ridículo papel a que se prestam ou a deformação causada pelo próprio jogo.

É que não há algo que tenha um poder tão forte de deformação da inteligência humana, do seu natural bom senso, como o futebol.

É a tinta branca das marcações do campo que separa, na maior parte das vezes, a racionalidade do seu oposto, e para o lado de cá não parece haver limites para alarvidades. E os dias são cada vez mais longos.

Nada é tão agressivo, capaz de tanta influência negativa como o marcador final do célebre jogo dos 22 atrás de uma bola. Nada nos faz mentir com tantos dentes quando dizemos sem grande convicção

Há vida para lá do jogo...

Não há. No bom, porque é tão bom quando puro, e no mau sentido.

Complexos de inferioridade nas bancadas no que se grita e canta, estados de negação acumulados sobre a realidade dos próprios clubes. Escondidos atrás de uma multidão ou camuflados pelo avatar, a sua vida ganha outras dimensões com o apito inicial, num encontro que se prolonga por dias até outro apito engolir a própria cauda.

Se a estupidez valesse 1 euro para a caixinha das multas os grandes praticamente não teriam passivo. Os pequenos ganhariam o dinheiro que precisam para pagar ordenados a horas e até, quem sabe, investir.

O futebol seria mais simples.

Mas o futebol é o espelho mais grotesco da condição humana.

O futebol é o reflexo de uma sociedade já depois de ter perdido a compostura.

Estranhamente resiste. Tem sete vidas, finta aqueles que lhe querem mal, e continua a ser bonito, tão bonito que praticamente todos se apaixonam. Ganha pontos de exclamação na nossa memória, pormenores que não estavam lá antes, cores.

O presente enche o peito de ar, o futuro tenta antecipar todos os perigos. Metam uma caixa de multas em cada canto, e deixem-me ver a bola.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado na MFTOTAL. O autor usa grafia pré-acordo ortográfico.

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