É impossível falar de Renato Sanches e não ouvir ao longe os batimentos cardíacos. Pesados, ainda mais sonoros porque mais rarefeitos do que nos outros.

Poderíamos deixar-lhe uma bateria de 12v nas mãos que de lá sairia carregada.

Ouvi dizer, com espanto, que é curto de mais para aquele meio-campo em jogos GRANDES – em capitais e tudo –, quando é algo que ele nunca poderia ser. Curto? Ou longo de mais, intenso de mais, frenético de mais, quando o jogo exige uma atitude mais cerebral? Quando se pede que pressione menos alto, segure mais a bola, construa a uma velocidade mais baixa. Que se criem desequilíbrios pela paciência.

Bulo é um jogador cru, mas nunca será curto.

É tão simples quanto isto

Nenhum cavalo selvagem nasce a saber ganhar corridas.

Muitos saltariam da pista, recusar-se-iam a seguir em frente, derrubariam o anão que lhes segura as rédeas. E, no entanto, nenhum outro corre como eles, nenhum outro é mais veloz do que eles. Em mais nenhum o potencial é tão grande.

Com o tempo, aprenderão a correr numa linha recta. Se for a sua vontade.

Renato faz as coisas sempre de forma diferente, escolhe soluções divergentes e poucas são más. Comete erros, falha passes, erra momentos, mas depois tem tudo o resto que mais ninguém tem. Vira-se para a baliza quando outro passaria para trás, remata quando o jogador comum tentaria o cruzamento, tenta o passe de rotura enquanto aquele tipo ali, o de calções até ao pescoço, entregaria ao lado.

Não é o melhor médio-centro do mundo, nem sequer o melhor português, mas não há como não gostar dele. Não há como não olhar para aquela convergência genética, aquela insensatez, aquela tão boa vontade e não esperar grandes feitos. Se é que podemos…

(Abro parêntesis.

Portugal, como consciência colectiva, gosta de pensar de si próprio como um povo apaixonado por bola. É comum vê-lo de cerveja em copo de plástico na mão, pão com bifana na outra, a fazer tempo junto a um prato de tremoços ou um pastel de bacalhau, e a palitar os dentes com todos os resultados de uma temporada inteira. A seguir, mais uma imperial. Outra bifana. E aquele craque na ponta da língua, que sai sempre de forma diferente quando se diz.

Lamento informar-vos... E não vou reclamar a patente deste imaginário grito de Eureka. Sentem-se, não vão para aí desmaiar, cair e magoarem-se. Não vão tropeçar em algumas gotas de mostarda e espalharem-se ao comprido. Ou à largura, o que depende da quantidade de bifanas, mas que vai dar no mesmo.

Estão sentados? Confortáveis? Agarrados à mesa?

Portugal, como consciência colectiva, não gosta de bola. Não quer saber se se joga bem ou mal, desde que se ganhe. Portugal está dividido em três partes, cada uma a reclamar que é maior do que a outra. É um país assente em três placas tectónicas, sempre a chocarem, provocando tremores de terra por todo o lado. Ai de quem se deixe entusiasmar por um drible ou uma grande jogada do lado de lá da fronteira! Ai dele!

Lá estão eles! Filhos da mãe, do pai e do Espírito Santo!  

Cada terço desse Portugal gosta de ganhar, e nada mais. Cada terço não admite que se admire os que moram num dos outros. Não deixa que se insinue que se gosta de mais nomes que não os seus.

Quando apareceu Gelson em grande, a principal preocupação era se seria melhor ou pior que Gonçalo Guedes. Havendo Rúben Neves cai-se em cima de quem tem palavras boas para Renato Sanches. Por Jonas não se admite que se diga a primeira sílaba de Slimani

Su-lei… Esqueçam!

que se pestaneje com um pensamento sobre Aboubakar. Quem tem Ruiz insulta quem vibra com Gaitán ou Brahimi. Mas nunca ao mesmo tempo, que sacrilégio.

Ridículo. Odeia-se o jogo. Portugal não sabe o que é gostar de bola.

Portugal é um país de memes, palavra tão na moda, de provocações e insultos. É giro de vez em quando, feio quando é só isso.

Fecho parêntesis)

O Benfica perdeu o clássico e alguns génios passaram a achá-lo curto. A culpá-lo por uma segunda parte péssima de toda a equipa. A desvalorizá-lo, a esquecerem-se da idade, a não perdoarem-lhe os erros. A associá-lo ao alegado empolgamento sobre a qual a imprensa carrega o seu clube. Será justo?

Onde estavam Pizzi, Samaris, Jonas e Gaitán, depois Talisca e Carcela naquele segundo tempo? O miúdo pelo menos tentava. Falhava e tentava. Fracassava, mas fracassava melhor.

Se querem ficar com uma imagem positiva para o Benfica no meio da derrocada fiquem com o golo de Mitroglou. Só um cavalo selvagem saltaria aquela cerca daquela forma. Os outros tentariam contorná-la.


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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»   é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no  FACEBOOK e no      TWITTER. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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