Esta crónica não tem ponta de sal épica, nem poderia ter.
Se, neste fim-de-semana, tivesse havido alguns remates para compor a lenda, o título poderia ser
Eu vivi no tempo de Messi
Ou
Eu vivi no tempo de Ronaldo apesar de Messi
Tinha tudo preparado mentalmente para escrevê-la, bastava que um deles fizesse a sua
pequena parte. Bastava que um deles repetisse a história. Ou ambos.
Um copy-paste repetido até ao fim, vezes sem conta. Mais ninguém o conseguiria.
Control c. Control v
Mesmo que fôssemos politicamente correctos – o que manifestamente não somos, ou não queremos ser – um
Eu vivi no tempo de Messi e Ronaldo não resolveria as coisas. E até poderíamos inverter os nomes a vez com medo de susceptibilidades, porque mesmo que os distribuíssemos como numa fracção matemática ambos reclamariam o lugar de cima.
Só a física quântica resolveria isto. Coisas de tempo e espaço. A mesma coisa em momentos diferentes no mesmo espaço.
O problema
– para muitos de nós é um problema que se expande bem para lá da questão patriótica – é que Cristiano é mais do que o primeiro dos outros. Mais do que um número 2, mais do que o primeiro dos últimos, essa frase-feita que ficou. E isso a matemática comum, aquela que todos mal ou bem mais ou menos conhecemos, a que nos ensinaram na escola, não consegue explicar.
Segundo Heinsenberg e o seu
Princípio da Incerteza, Cristiano pode estar muitas vezes ao lado de Messi e não estar. Nunca sabemos a verdadeira posição das coisas. Dizia o alemão e eu acredito. Não tenho como refutar. Cristiano está muitas vezes ao lado de Messi e noutras não está.
O argentino escavou mais um túnel com classe no Camp Nou, Ronaldo marcou o 31º em esforço e Bravo defendeu-lhe o golo da noite. Nenhum foi mágico ou esteve perto de reclamar mais uma vez o estado de divindade, andaram quase lado a lado, mas mais abaixo, mais perto dos humanos, do que se esperava.
Adiante.
No meio de uma cratera azul e grená em ebulição, amarraram a Pulga à direita tanto tempo que lhe tiraram o norte. As ganas de Cristiano valeram-lhe o 1-1, mas acabou engolido com o resto das forças de Modric e Kroos, e com os muitos amarelos a precipitarem-se por cima da defesa
blanca. Suárez apanhou Sergio Ramos e Pepe a dormir e mordeu mais uma vez, para vencer o
superclásico. Um superclássico intenso, mas longe de ser esmagador.
A norte, não tivemos Robben, Lewandowski ou Goetze, com o holandês a estilhaçar mais uns pedacinhos de cristal que lhe unem o corpo. Neuer foi mortal duas vezes, e Raffael aproveitou as dádivas e alimentou as esperanças no Dragão. Também o Wolfsburgo não foi bem o Wolfsburgo, De Bruyne esteve longe de ser De Bruyne e isso explica quase tudo.
Na
Bridge, Remy salvou o Chelsea, e em Anfield Mata puxou o United para cima até ao Arsenal, que ameaçava descolar. No
calcio, o interesse foi-se há muito, sem Roma e com a
Juve de sempre. Marselha, PSG, Lyon e Monaco agora começaram a ganhar ao mesmo tempo e tudo continua na mesma.
Palmas para Del Valle e Wagner, que abateram os candidatos cá do burgo. Diego Lopes entrou para fazer da classe a miséria do meio-campo e defesa do Benfica.
Lucas João esteve perto da glória, mas deixou-se levar pela ansiedade. Heisenberg teria certamente ajudado o internacional sub-21, tal como a Lima naquele cabeceamento desastrado antes da hecatombe ou até os avançados portistas, pressionados pela derrota do Benfica. Ou a um árbitro quando comete um erro. A um treinador quando justifica a derrota com os erros de um juiz. De um auxiliar.
Se eles pudessem ter uma oportunidade para se avisarem a si próprios, talvez atirando com pedras para criar pequenas ondas no charco do passado, poderiam corrigir as más decisões antes de cometerem outras. Mas se o futuro permitisse mais que umas simples correcções engolir-se-ia a si próprio e nós viveríamos para sempre no limbo.
A física quântica faz sentido se a pudermos aplicar a tudo, de vez em quando, mas para já basta que explique Ronaldo e Messi. No resto do planeta, o equilíbrio ainda é praticamente perfeito.
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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»
é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias. Pode segui-lo no
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24 mar 2015, 10:07
Eu vivi no tempo de Messi (ou como a física quântica resolve isto)
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