Aqui há uns anos, lembro-me, elogiava no twitter a perfeição do lançamento do Splash Bro' Klay Thompson, ídolo da Dub Nation. Mais do que Steph Curry, sim!

A sintonia perfeita de todos os músculos, a flexão dos joelhos, o esticar dos braços e das mãos na plenitude a acompanhar a bola até ao limite. A spalding castanha a entrar, quase sempre sem espinhas, com o som irreproduzível de um beijo nas redes. Chuac?

Klay pisa, faz os apoios e lança, com uma exactidão geométrica incrível, medível por transferidor, régua e esquadro. Nunca se desequilibra. Nunca terá dores de coluna, de tão coordenado que é.

Podem atirar que é rebuscado, e até ideia sem sentido, mas olho para aquela bola que Alex Telles curva nos cantos e livres laterais e encontro alguma dessa perfeição – não ao ponto de um bend it like Beckham, mas no caminho desse virtuosismo tão trabalhado pelo inglês, e que sempre foi a sua principal (e única?) arma.

O passo acertado, o movimento do corpo a preparar a rotação e o pé esquerdo a bater e a provocar aquela distorção no movimento natural da bola. Os pés a cruzarem-se no fim.

A curva acentuada, para lá do alcance do guarda-redes, que não tem como imaginar onde irá cair, e à procura do desvio definitivo. A repetição no treino dá dicas aos colegas, e os adversários ficam na escuridão.

Em movimento, um cruzamento não pode nunca ser preparado como um triplo – embora aí Curry seja o maior, abdicando inúmeras vezes do equilíbrio a troco da oportunidade de fazer mais um cesto escandaloso –, mas mesmo assim Telles cruza com leveza, técnica apurada, dignos de um dos melhores laterais-esquerdo da Europa.

Poderia dizer o óbvio, que não continuará em Portugal muito tempo (já disse), mas prefiro elogiá-lo um pouco mais. A entrega que faz aumentar a capacidade de desarme, o sentido posicional e a elegância com que pisa em campo, juntam-se à capacidade de chegar muito à frente, sair em drible da pressão e ser um dos mais perigosos jogadores da equipa. A passar ou a rematar à baliza.

Os números confirmam-no e ficam para quem deles faz finca-pé, mas para mim faz mais sentido olhar para a curva daquela bola, empurrada pela canhota. O rasto deixa alguma dúvida?

--

«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. O autor usa grafia pré-acordo ortográfico.

--