Como é que diz o outro?


Cristiano e Messi estão finalmente distantes. Diria que mais distantes que nunca. O que dá jeito quando se fala tanto naquele flagelo-em-que-toda-a-fala-nesta-altura-do-ano e que eu, dono deste pedaço de papel virtual, não vou rabiscar uma única vez! Não, não é o Natal, embora haja quem lhe ache mais piada do que eu. Confesso. Aquele flagelo, que é maior que a soma de todos os males do mundo.

Tão distantes que praticamente não se vêem separados. Siameses, de tão colados que estão. Mas ao mesmo tempo, sim, distantes. A nós, cá em baixo, parecem-nos lado a lado, mas depois, junto dos outros extraterrestres, eles lá terão as suas medidas próprias, em anos-luz ou coisa parecida, que nós não dominamos.

Não era provável, antes de lhe ligarem o microfone, que alguém que expõe tanto a sua humanidade fosse capaz de separar tanto com uma frase quem já não está ao seu alcance. Alguma vez esteve? Fica a dúvida. «O Cristiano é o melhor do mundo, o OUTRO está atrás.» O Harry Potter meteu em trivela, sem olhar, perante o olhar desconfiado de Dumbledore. E o mundo viu um rasto de fogo e o português a destacar-se mais uns centímetros no breu.

O bom do Sartre é que gostava de filosofar sobre o outro


Não é fácil passar do Quaresma para o Sartre, não acham?


que não era Messi. Se quisermos levar a coisa a sério podemos chamar-lhes não-Ronaldos. E nesse pote metemos a Pulga
. O Neuer guarda-redes-líbero, que embirra com fotografias íntimas. E, já agora, o Robben feito de cacos de cristal colados com Supercola 3
. Todos os demais.


Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que,
mais perde se não vens.

Anda, mostra o que vales,
tu nesse jogo,
vales tão pouco,
troca de vício,
por outro novo,
que o desafio,
é corpo a corpo.
Escolhe a arma,
a estratégia que não falhe,
o lado forte da batalha,
põe no máximo o poder.

Dou-te a vantagem, tu com tudo, eu sem nada,
que mesmo assim, desarmada, vou-te ensinar a perder.


Estão atentos, claro que este ainda não era o Sartre! Reconhecem os Deolinda, que também gostam de filosofar de vez em quando, ajudados pelo ritmo do fado? 

Voltemos à vaca fria, ou à batata quente. Sim, o franciú
existencialista tinha a sua própria teoria. Cada indivíduo tinha um projecto e quando estes se sobrepunham surgia o conflito. Dizia ainda, com mais oração menos oração, que o homem por si não podia conhecer-se na totalidade, precisava sempre do outro.

O que o Sartre nos anda a dizer há séculos e nós a fingir que não ouvimos é que Ronaldo só é Ronaldo porque há Messi. E vice-versa. Um não passa sem o outro, e se passasse não seria metade do que é. Cristiano precisa do argentino para se ver a si próprio, já este teria adormecido no trono, de tão aborrecido, se o português não o acordasse de três em três dias com golos.

Já Mário Sá Carneiro via sempre a vida por outro lado. Os poetas são assim. Respiram o ar que existe no limbo e deixam-se embriagar por este. Têm sempre mais dúvidas do que certezas, e todas as conclusões a que chegam resultam em nova pergunta. E não saem da sua própria angústia, cheia de rimas e imagens carregadas de névoa.


Eu não sou eu,
Nem sou o outro
Sou qualquer coisa de intermédio
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o outro


Sejamos todos Sá Carneiros ou apenas menos pessimistas, a discussão - e os males do mundo - só acabarão, com todo o lastro que traz em cima, quando se juntar yin a yang. O Eu ao Outro. Peguem naquilo que têm de pegar, entreguem um a cada um e digam-lhes que foi só desta vez. O resto do mundo vai acabar por perceber primeiro do que eles, e vamos poder viver felizes para sempre. 

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias. Pode segui-lo no FACEBOOK e no TWITTER. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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