Vícios difíceis. Há vícios e vícios, e muitos são difíceis. Damos voltas na cabeça e a cabeça volta ao mesmo. Se é que há algo que possa fazer, e só ela o pode.
Quem raptou Neymar?
Ou somos radicais – essa palavra que parece insultar toda a gente nos tempos que correm – e cortamos de vez;
ou substituímos vício por outro vício, e orgulhamo-nos por uns tempos. Depois, temos de voltar a correr em círculos nesse tartan que se fecha sobre si mesmo à volta do nosso cérebro. A não ser que seja vício-bom e aí atingimos a felicidade suprema. Se é que existem. O bom vício e a felicidade, claro.
Se não, corremos outra vez. Até nova solução.
Novo vício.
Tentamos. Abstinência. Ressaca. Desabituação e habituação à desabituação. Sentimo-nos a chegar à meta em que o vício só o volta a ser se nos deixarmos enganar. Se cairmos na esparrela. Na tentação. E o vício volta. Ou resistimos, e torna-se memória distante.
Ronaldo. Fenómeno sem circunflexo, e em português de Portugal, optou como todos nós. Um truque, dois, três. Pedalada, calcanhar, mudança de direcção. Recepção, vírgula, cruzamento. Finge-que-vai e fica. Fica, espera, calcanhar contra calcanhar e vai. Foi. Vezes sem conta.
Até perceber!
Os dribles não cativam lugar na história, só nos deslumbram por umas horas, até os discutirmos atrás de uma cerveja e um prato de tremoços. Ou um café e uma água com gás.
E lhes atribuirmos um prazo de validade
Estás parvo! O Messi fez melhor, pá!
Os truques não enchem capítulos, apenas uma página ou outra. Quando percebeu – e foi cedo – transformou-os em golos. Que cobrou rapidamente na caixa depois de ganha a aposta. Trocou-os por prémios, títulos e voltou à mesa voraz, ainda com mais ambição, feito num extraterrestre com mil anos de avanço sobre a humanidade. Comparável apenas com outro extraterrestre.
Mas ali, no seu planeta
Um dos maiores
está sozinho.
Ronaldo, o Fenómeno português, que tocava quatro ou cinco vezes na bola numa dança estranha que até faria com que chovesse, deixou-se disso. De vez em quando, lembra-nos do que foi, só para mostrar de onde veio. Uma pedalada, um domínio com as costas. E, ao mesmo tempo, atira-nos mãos-cheias de fichas, para trocar mais tarde. Por Bolas ou Botas de Ouro.
Mas que extraterrestre terá agora raptado Neymar?
Neymar, esse Ronaldo de despertar tardio.
Será?
A explorar os novos dons não-terráqueos que lhe concederam por via de tecnologia ultra-moderna, ainda a anos-luz do nosso alcance.
Visual espartano, pente-dois ou três. Não radical. Ali entre o moicano e a máquina-zero. E, de repente, quatro golos e uma assistência. Quatro mais quatro dá oito, e vale
Pichichi
provisório.
Sem o eucalipto-Messi, absorve ele o que está à volta...
E o
tiki-taka
tornou-se há muito uma ideia distante. Arranques, dribles, túneis, cabritos com ou sem evocações de Ardiles. Sem o eucalipto, agora é ele a assumir quase tudo. A humilhação adquire um sentido. Neymar a crescer para a baliza.
Arranque, penálti. Golo!
Drible, túnel, penálti. Golo!
Recarga. Golo!
Baliza aberta. Golo!
Assistência, e lá marca o
vampiro
Suárez, que ainda morde, mas não tanto como na Premiership.
De repente, ele o eucalipto.
Neymar não substituirá todos os dribles por golos e, mesmo que o fizesse, não haveria solução. Nada lhe valeria ser radical e acabar de vez com os vícios, esconder os superpoderes atrás do fato da humanidade. Não há vício-bom onde se refugie. A ambição será recalcada. A felicidade longe de ser suprema.
Por enquanto, que aproveite!
Será que não pode ser extraterrestre a part-time? É que o Outro, ainda frondoso e imponente, vai ser transplantado em breve de novo para o meio da equipa. E toda a gente, mesmo toda a gente, tem consciência de que não poderá haver dois eucaliptos no mesmo sítio.
Dois? Neymadness total!
--
«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»
é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no
FACEBOOK
e no
TWITTER
. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.
--
Bombonera
A sua revista digital
20 out 2015, 10:01
Plantaram outro eucalipto no Camp Nou!
Nova crónica de «Era Capaz de Viver na Bombonera»
Nova crónica de «Era Capaz de Viver na Bombonera»
VÍDEO MAIS VISTO
NOTÍCIAS MAIS LIDAS