Tive vários amigos, ainda tenho, que queriam ser os Tellos desta vida. Bem, na altura o Tello que estava a começar a ser conhecido não era bem este, mas vocês, tipos inteligentes e open-minded, percebem, de certeza, a ideia. Eles, os tais meus amigos, pegavam na bola, davam duas pedaladas por cima, e iam por ali fora, sem freio, sem medo da vertigem. E ainda embirravam se lhes disséssemos alguma coisa. 

Outros tentam o mesmo, mas fixam um ponto abstracto algures perto dos pés, hipnotizados pela rotação na bola daqueles desenhos, sempre diferentes, que as marcas inventam para ser novidade e gerar consumo.

Capel é um pouco assim, enfia a cabeça na relva, qual avestruz, com medo de perder a bola. Temerá ele que o traia, que descole do pé esquerdo se se distrair? Não resistirá ao receio de tropeçar nos próprios pés? Não se sabe. Tudo seria mais fácil se levantasse a cabeça.

Afinal, é algo que ouvimos em futebolês todos os fins-de-semana. Temos de levantar a cabeça!

¡Ojo!

Tello é diferente.

Tenho vários amigos assim. Aliás, acho que todos os miúdos crescem a querer ser assim. A inventar fintas, a desenhar mentalmente grandes golos, a sonhar com títulos sucessivos de melhor em campo. A ser o número 1 entre 11, entre 18, entre 23 ou mais.

Depois, com o tempo e com as primeiras bolas perdidas, os primeiros cabelos arrancados por parte de treinadores e colegas, alguém lhes diz que aquilo não é para eles. Se é que eles não percebem primeiro.

Se não os mandam para a baliza, esse purgatório da adolescência para quem não sonha ser o Neuer, haverá um lugar como lateral, por vezes lutando contra a sua natureza, que os obriga a usar o pé de dentro. Serão guarda-redes, defesas ou médios desmancha-prazeres, com a missão de destruir o que nunca conseguiram construir.

Tello é um sobrevivente. Foi sempre objectivo de mais para o tiki-taka, que gostava, fosse com Guardiola, ou com Tito e Tata, de circular a bola dos pontas para os extremo, para o central… Perdão, do extremo para o médio. Para o defesa. Para outro médio. Para Messi. Para os outros. Quantos faltam? Sem que alguém rematasse de primeira linha… Perdão, de fora da área.

Quando entrava, quase sempre era como se tivessem aberto sem cautela uma garrafa de refrigerante com gás acabada de abanar. Mexia sempre com tudo, apenas não encaixava nos restantes 75 minutos. Entrava quando tudo estava decidido, ou como recurso diferente.

Tello pega na bola e vai. Assume o risco. Tem de ganhar sempre um metro ou dois. Ir para cima, encontrar um caminho para a baliza. E raramente é a direito, quase sempre em ziguezagues, como se fosse sempre uma prova de perícia em que não pode derrubar os pinos.

E não os derruba, nem precisa mesmo de olhar. Embora olhe. Não esconde os olhos na relva.

Sempre a acelerar, sempre a esticar o jogo. Sempre a procurar uma solução, decidindo ele ou delegando a decisão com uma assistência.

E aquela assinatura que deixa em algumas jogadas? Aquele passo para o lado esquerdo, a fugir da bola, para poder ganhar ângulo para a perna direita, procurando o poste mais distante. A sua marca. Ainda apareceu pouco por cá, mas o Camp Nou conhece-a bem. Será uma questão de tempo.

No Dragão, arrisca-se a ser titular. Isto é, arrisca se esse estatuto existir na cabeça de Lopetegui, algo que ainda não foi cientificamente provado. E até isso será um desafio novo, que conheceu poucas vezes em Barcelona. Aposto que, se chegar, vai enfrentá-lo olho nos olhos. Dá uma pedalada e parte para cima. Há outra forma?

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»  é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias. Pode segui-lo no  FACEBOOK  e no  TWITTER . O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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