Ainda há quem resista à vertigem mediática que tornou o futebol num fenómeno pop.

Carlo Ancelotti, por exemplo.

No último fim de semana abriu a alma: numa entrevista ao Financial Times confessou fraquezas, revelou traços e afirmou o caráter. Contou por exemplo um episódio que explica tudo o que Carlo Ancelotti é.

Na segunda época de carreira foi contratado pelo Parma: tinha um ano de treinador na Reggiana, um conceito e uma ideia bem vincada. Não jogava com típicos número dez. Por isso foi franco com Roberto Baggio: ou ele jogava a ponta de lança ou assinava por outro clube. Baggio assinou por outro clube.

“Nessa época ele marcou 25 golos... pelo Bolonha! Perdi no mínimo 25 golos.”

Serviu-lhe de lição. Nunca mais considerou uma ideia ou um esquema tático mais importante do que qualquer jogador.

Ora este episódio trouxe-me à memória um outro episódio histórico: La Maquina.

La Maquina foi a alcunha da equipa mais famosa da história do River Plate, e provavelmente do futebol argentino. Foi nela que Di Stefano, por exemplo, nasceu para o futebol, embora fosse mais novo e tivesse entrado quando La Maquina já era La Maquina: um instrumento de destruição maciça.

Nessa altura, nos anos 40, a discussão teórica girava em torno de uma questão: quem tinha sido o inventor dessa fantástica equipa, Renato Cesarini ou Carlos Peucelle?

Perguntaram a Peucelle e ele deu uma resposta desarmante.

“Nem um nem outro. O inventor de La Maquina foi Dona Rosa, a mamã do Pedernera.”

Pedernera era o cérebro da equipa, e pelos vistos não havia conceito, ideia ou filosofia que fizesse La Maquina funcionar melhor do que ele.

Ancelotti aprendeu com Carlos Peucelle que só há duas coisas verdadeiramente importantes no futebol: os jogadores e as mães deles.

Foi campeão em Itália, Inglaterra e França. Triunfou em equipas fortes que lhe caíram nas mãos, coisa que nem sempre é fácil. Fê-lo praticamente sem fazer barulho: e se calhar é por isso é que é tão difícil descobri-lo nas entrelinhas do futebol.

Carlo Ancelotti é um italiano suave.

Descreve-se como um pacificador, e a definição não está desaquada: é um gestor de feitios e um mediador de conflitos.

Não tem o calculismo de Mourinho, o requinte de Guardiola ou a exuberância de Jurgen Klopp, mas tem um grande mérito: ensina-nos todos os dias que não há só uma maneira de ser especial.

E ele também é especial. À sua maneira.

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias