Bill Shankly é um daqueles heróis que só foi possível porque não nasceu português. O que para ele foi uma sorte tremenda: tinha muito cara de José Mota.

Foi treinador do Liverpool durante quinze anos, pegou no clube na segunda divisão e tornou-o campeão inglês. Criou as bases da equipa que haveria de vencer três Taças dos Campeões em cinco anos.

Disse que o futebol não era uma questão de vida ou de morte, era muito mais importante do que isso, e que quando estava aborrecido olhava para o fundo da classificação para ver como se estava a portar o Everton.

Hoje tem uma estátua à entrada de Anfield Road com a frase “o homem que fez a gente feliz”. O que diz tudo, no fundo. Mas não diz o essencial para este texto: e este texto não é sobre Bill Shankly. O essencial foi outra frase que ele disse.

“A santíssima trindade do futebol são os jogadores, os treinadores e os adeptos. Os dirigentes só existem para passar cheques.”

Por estes dias agitados no Dragão, foi impossível não me lembrar desta frase. A crise (de confiança, de identidade, de resultados até) que o FC Porto atravessa tem pelo menos um mérito: permite desfazer o mito de que no Dragão qualquer treinador se torna vencedor por definição. Não é verdade, e dizê-lo só tira valor a quem realmente vence naquela casa.

Por muito que os dirigentes se coloquem em bicos de pés, são apenas executivos.

O futebol é outra coisa completamente diferente: é uma bola, um herói e uma bandeira. É paixão. É um miúdo de chuteiras rasgadas. É um calcanhar vagabundo, um cruzamento em arco perfeito, um toque de habilidade que nos faz sonhar ser crianças e voltar para a rua com a bola colada no pé.

É enfim um golo.

É uma estratégia, uma ideia e um plano. É uma compensação bem feita e uma triângulação repetida. É um momento de inspiração ou um génio entusiasmado. É no fundo muita coisa, mas nenhuma delas nasce do impulso de um executivo de gravata.

Por isso vale a pena aproveitar a crise de resultados do FC Porto para matar este mito, e todos os outros mitos que outros dirigentes sonhem criar neste nosso futebol.

A violência com que o país está a cair sobre Paulo Fonseca não pode viver sozinha: merece que a história reconheça com a mesma violência o mérito de Vítor Pereira, Villas-Boas, Jesualdo Ferreira ou Co Adriaanse nos títulos do passado.

A nossa paixão merece que não se prejudique o futebol com a ideia de que quando a equipa perde a culpa é do treinador e quando ganha o talento é dos dirigentes.

Afinal de contas eles só passam cheques. Podem ser mais ou menos chorudos e convém que tenham sempre cobertura. Mas isso não é futebol: é comércio. Não marca golos, não ganha jogos e não faz a gente feliz.

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias