Não acredito em balneários feitos de amigos. Acho que é impossível ser-se verdadeiramente amigo de vinte e quatro ou vinte e cinco pessoas que se encontram ali por acaso.

Acredito, isso sim, em pactos de amizade: um grupo de pessoas que faz um tratado de paz, por um bem comum que é o sucesso coletivo. A partir daí há um respeito pelo acordo, o que leva cada um a colocar o objetivo comunitário à frente dos objetivos individuais.

No fundo acredito em balneários feitos de altruísmo.

Ora por isso a atitude de Kepa na final da Taça da Liga inglesa, no último domingo, foi um ato de egoísmo que não o prejudicou só a ele: prejudicou todo o grupo.

Prejudicou sobretudo a relação como Willy Caballero e o pacto de amizade que devia existir no balneário. A partir daqui é difícil imaginar que possa existir uma sã convivência entre os dois guarda-redes do Chelsea: é bom lembrar que, para todos os efeitos, Caballero foi ultrapassado por uma atitude de egocentrismo que lhe roubou o sonho de ser herói.

É triste, de facto.

O que é mais triste, porém, é que o comportamento de Kepa teria dado muito jeito em várias ocasiões da história da humanidade, e até da história de Portugal.

Imaginem, por exemplo, que quando alguém sugeriu a Adolf Hitler invadir a Polónia, o ditador alemão se armava em Kepa.

«Não saio. Está frio, estou bem aqui, não saio», respondia. «Não, não e não. Não insistam, não vale a pena. Eva Braun, chega aqui e enrosca-te em mim, apetece-me fazer conchinha.»

Tinha-se evitado uma guerra mundial.

Ou imaginem, já agora, que o espermatozoide que esteve na origem de Donald Trump tinha recusado um dia ser o mais rápido.

«Não saio, não quero. Estou aqui milhões de tipos como eu, eles que se cheguem à frente.»

Tinha-se evitado um lunático.

Ou imaginem ainda que, um dia, Dom Sebastião recusava ir conquistar Alcácer Quibir.

«Não vou, não quero. Tenho 24 anos e reservo-me o direito de me fechar no meu quarto o tempo que me apetecer. Não saio daqui. Não saio e não saio.»

Tinha-se evitado a crise de sucessão, o domínio espanhol e 400 anos de espera por um nevoeiro.

Imaginem, por fim, que Ricardo tinha evitado sair da baliza naquele canto da final do Euro 2004 frente à Grécia.

 «Não vou sair de olhos fechados e fora de tempo, que isso é perigoso. O Charisteas ainda chega primeiro do que eu à bola e faz golo. Vou ficar aqui entre os postes.»

Tinha-se evitado a maior desilusão do futebol português.

No fundo Kepa teria dado jeito em várias alturas e vários lugares. Infelizmente para ele, para o Chelsea e para o mundo nenhum deles era a final da Taça da Liga, no dia 24 de fevereiro de 2019.

Foi uma pena, de facto.

(Artigo originalmente publicado às 23:50 de 26-02-2019)

«Box-to-box» é um artigo de opinião de Sérgio Pereira, subdiretor do Maisfutebol, que escreve neste espaço às quartas-feiras de quinze em quinze dias