Confesso que sim, detesto perder a carteira. É coisa para me estragar a semana.

Ligar para o banco a cancelar o cartão, acordar de madrugada para ter lugar na loja do cidadão, discutir com o cabeleireiro para me devolver os carimbos acumulados para o corte gratuito.

Perder a carteira é perder o registo escrito de metade da nossa vida: e recuperá-la leva-nos muitas vezes a perder a cabeça.

Por falar nisso, também detesto perder a cabeça. Deixa-me com os cabelos em pé, e sem saber como os encontrar. Perder a cabeça é perder a razão, o discernimento, a lucidez. É ficar despido, mesmo que coberto de roupa. É esquecer os modos e deitar fora a calma. É fechar a sensatez num quarto escuro e bater com a porta.

Já agora, e como a conversa veio parar a portas, também detesto perder as chaves.

Há coisas que faz sentido não saber perder. Outras nem tanto.

Fui criança num tempo em que tudo o que um homem tinha de melhor era a honra. Dava-se um aperto de mão e valia mais do que um papel assinado.

Nas nossas pequenas comunidades, era normal a estima por uma pessoa medir-se em honradez: aquele é honrado, aquele não é honrado, aquele é muito honrado. A honradez mede-se no fundo em bons princípios: respeitar e fazer-se respeitar. Ser honesto, íntegro e educado.

Para alguém como eu, que tem ainda uma vaga ideia da importância da honra, é complicado aceitar esta moda de garantir que se tem mau perder como se isso fosse uma virtude.

Esta terça-feira foi Sérgio Conceição, e é naturalmente nele que penso ao escrever estas linhas, mas não apenas nele: tornou-se vulgar entre os homens do futebol gritar que se tem mau perder, como se isso fosse uma extraordinária qualidade. Ou fazer um elogio a alguém referindo que ele tem mau perder. Ou, no caso dos adeptos, ouvir alguém dizer que tem mau perder e bater palmas.

Ter mau perder, meus caros, não é um dom. É um defeito.

É não saber respeitar o adversário, o jogo e o espírito competitivo. Quem não sabe perder também não sabe ganhar e, como se diz, pior do que perder é não saber perder.

Nem vale a pena vestir a pele de La Palisse para dizer que é melhor não saber perder do que gostar de perder: porque entre gostar de perder e não saber perder há um enorme oceano de estados de almas. Não aceitar uma coisa não implica gostar da outra.

Pode-se não gostar de perder, mas saber-se perder. Pode aceitar-se, sem com isso ficar feliz. E sobretudo pode-se aceitar perder e não ficar de sorriso nos lábios.

Infelizmente vivemos numa sociedade, e num futebol, em que vale tudo. Uma sociedade vaga em princípios e em valores. Em honra, lá está.

Há coisas que não devíamos dizer nem numa troca de desabafos: não as devíamos confidenciar nem ao melhor dos nossos depósitos de confiança.

Mas em vez disso gritamo-las como se fossem um grande mérito. Não são.

Não saber perder é não ter desportivismo e não ter desportivismo é um péssimo exemplo: é um mau modelo para os nossos filhos, para as nossas crianças, para a nossa comunidade. Convém não inverter os conceitos. É uma falha moral, um defeito, um atropelo à grandeza do ser humano.

É uma falta de educação e de princípios. Uma falta de grandeza. Uma agressão aos fundamentos da honra. Respeitar e fazer-se respeitar, lembram-se?

Por isso, e porque quero pensar que o mundo ainda é um sítio com ética, não me peçam para elogiar o não saber perder.

A não ser que o que se perdeu foi a carteira. Ou a cabeça. Ou as duas coisas, pronto.

«Box-to-box» é um espaço de opinião da autoria de Sérgio Pereira, subdiretor do Maisfutebol, que escreve aqui às terças-feiras de quinze em quinze dias