John Toshack é um daqueles homens que fazem bem ao mundo: grande, bonacheirão, divertido, abre o sorriso rasgado e ilumina tudo à sua volta.

Faz-me lembrar John Lambie, treinador do Partick Thistle, da Escócia.

Certo dia viu um avançado chocar com um adversário e sofrer um traumatismo craniano. Quando o médico se aproximou dele, depois de observar o jogador, vinha de cara fechada. «Isto não está bom, mister», atirou-lhe. «Ele nem se lembra de quem é...»

John Lambie não perdeu o bom humor. «Ótimo. Diz-lhe que é o Pelé e manda-o lá para dentro»

Esta capacidade de fazer piadas nos momentos mais complicados é sinal de uma sanidade mental admirável. John Toshack tinha nesse sentido uma enorme vitalidade.

Orientou o Sporting durante uma temporada, ganhou a Taça do Rei na Real Sociedad e no Corunha e foi campeão no Real Madrid, na primeira passagem pelo Santiago Bernabéu. Da segunda vez em Madrid não foi tão feliz, recebeu até muitas críticas, e deixou para a história conferências de imprensa de abundante bom humor

«Todas as segundas penso trocar dez jogadores, à terça penso trocar sete ou oito, na quinta-feira só já penso trocar quatro, ao sábado penso trocar dois e no domingo acabam por jogar sempre os mesmos onze cabrões.»

Espanha sorria com aquele galês que gostava de arriscar e pisar terreno desconhecido.

Um dia, aliás, lançou um livro de poesia. Pediu a um amigo para lhe fazer o prefácio e o amigo não resistiu a escrever que era a pior obra da história da literatura.

John Toshack sorriu outra vez. Sorriu até quando foi despedido do Real Madrid pelo presidente Lorenzo Sanz, depois de vários maus resultados.

«Todos os treinadores serão despedidos um dia, por isso é melhor ser despedido do Real Madrid do que de outro clube qualquer», atirou.

Ora ao recordar esta frase, não consegui deixar de pensar em Sérgio Conceição.

O treinador deu um passo de enorme risco: deixou um país e um clube nos quais já tinha obra feita, onde era respeitado e admirado, que lhe davam uma almofada de conforto muito grande. Deixou um país e um clube nos quais tinha crédito para as horas difíceis.

A decisão mais fácil, aliás, seria ficar. Tinha acabado de renovar, tinha feito um trabalho brilhante, ia ter carta branca para reforçar o plantel. Era mais simples de facto ficar.

Mas Sérgio Conceição preferiu o caminho menos fácil: preferiu regressar a Portugal.

Preferiu enfim voltar a um país onde tem fama de ser inconveniente e irascível. Preferiu assinar pelo FC Porto, um clube que não ganha nada há quatro anos, que perdeu a estrutura robusta dos tempos áureos, que se debate com uma crise financeira e que tem de atacar o mercado com prudência e reserva.

Ao contrário do maior rival, que respira força e pujança.

É fácil imaginar por isso que Sérgio Conceição vai estar no olho do furacão: vai atacar a nova época provavelmente com trunfos inferiores mas com uma exigência maior dos adeptos. Até porque a massa associativa do FC Porto está farta de não ganhar.

Mas ele arriscou. Seguiu o coração e deu o salto para o desconhecido. Tomou uma decisão de coragem, para seguir o sonho de ser campeão no clube que lhe enche a alma.

Mostrou ser um homem de coragem, um valente, um destemido. O que merece uma vénia. Os adeptos do FC Porto podem ficar nesse sentido tranquilos: o temperamento de Sérgio Conceição continua intacto.

Se tudo isso não for suficiente, paciência: é melhor ser despedido do FC Porto do que de outro clube.

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, editor do Maisfutebol, que escreve aqui às sextas-feiras de quinze em quinze dias