Garry Birtles foi um daqueles avançados que construiu uma carreira a pulso. Chegou ao Nottingham Forest quando o clube estava na segunda divisão, subiu à Liga, chegou ao título inglês e tocou nas nuvens quando foi duas vezes seguidas campeão europeu.
 
Tornou-se protagonista no grande Nottingham Fortest, de Brian Clough.
 
Por isso foi contratado pelo Manchester United, e a vida dele nunca mais foi a mesma. Em Old Trafford cumpriu duas épocas, sendo que na primeira foi sempre a titular: jogou, correu, rematou, rematou, rematou, e não fez nem sequer um golo. Por muito que tentasse, a bola não entrava. Foi uma temporada terrível.
 
Os adeptos, naquele estilo cáustico dos ingleses, gritavam-lhe que se tivesse sido ele a dar o tiro, Kennedy ainda estava vivo. É que Garry Birtles não atirava para matar.
 
Ora vem esta conversa a propósito de Lopetegui.
 
O espanhol, recorde-se, afastou os rumores de um suposto pedido de demissão com a afirmação irónica de que sim, tinha pedido a demissão e tinha matado John Kennedy.
 
Antes de mais, vale a pena notar que o treinador coloca a hipótese de pedir a demissão no patamar dos crimes. Por isso, imagina-se, não será capaz de o fazer. Para além disso, e se realmente tivesse sido ele a dar o tiro, Kennedy ainda estava vivo: ou na pior das hipóteses teria falecido de morte natural.
 
Se não veja-se.
 
Lopetegui chegou há cerca de ano e meio ao Porto cheio de ideias firmes, mas nenhuma verdadeiramente dele. Gosta de jogar com muita posse de bola, em futebol apoiado, com uma ou outra variação de flanco rápida e com jogo a toda a extensão do relvado.
 
Defende um núcleo duro alargado, dentro da equipa, com alguma rotatividade de jogo para jogo e atletas capazes de fazer várias posições: gosta aliás de mudar os jogadores de posição durante os próprios jogos. André André pode ser médio ou extremo, Martins Indi pode ser central ou lateral, Danilo pode ser médio ou central.
 
É um homem de ideias fixas, lá está, mas ideias que não são dele.
 
São no fundo as ideias do futebol espanhol, em particular da seleção, em muito particular do Barcelona e em particularíssimo de Guardiola.


 
Provavelmente por isso, porque não são as ideias dele, não as domina verdadeiramente. Não lhes introduz criatividade, não é capaz de lhes incluir variáveis, não sabe mexer nelas durante os jogos, é ineficaz até para as adaptar às características dos melhores jogadores.
 
A verdade é que ao fim de ano e meio temos dificuldade em perceber qual é realmente o projeto de Lopetegui para o futebol do FC Porto. O que se vê é uma sucessão de repetições cansativas, resignadas a apenas uma variável: o talento dos atletas.
 
Por falar em talento dos atletas, importa dizer que Lopetegui beneficiou de condições que provavelmente mais nenhum treinador teve na história do FC Porto. Com ele, ou por ele, o FC Porto alterou a matriz de anos e anos: ganhar no campo e fora dele.
 
Potenciar no relvado para somar na conta bancária.
 
Com Lopetegui o FC Porto adquiriu emprestados (Oliver e Tello, por exemplo), jogadores detidos em partes minoritárias (Brahimi e Imbula) e até jogadores em fim de carreira (Casillas e Maxi Pereira). Todos eles senhores de ordenados altos e sem perspetivas de valorização financeira. Precisamente todo o contrário da cultura do clube.
 
Porquê? Porque só interessa ganhar no campo, e só interessa ganhar agora.
 
Lopetegui venceu enfim a lotaria: foi chamado a conduzir a melhor equipa (pelo menos a mais rica, a mais cara) da história do melhor clube português.
 
Não quero com isto tornar-me polémico, quero apenas referir que o FC Porto oferece uma cultura de vitória que não tem paralelo no Benfica ou no Sporting. Por isso os adeptos reagiram tão mal à derrota em Londres: não lhes basta resultados que não envergonhem.
 
O clube habituou-se a grandes feitos e cultivou uma predisposição para a vitória que torna os jogadores mais fortes. O FC Porto tem uma força mental inigualável nos rivais.
 
No entanto, e apesar de todo este capital de riqueza, a equipa arrasta-se aborrecida. Os jogadores parecem tristes, o futebol é enfadonho, os resultados previsíveis. O FC Porto ganha os jogos que tem de ganhar e falha nos que são verdadeiramente importantes.
 
Foi goleado pelo Bayern, por exemplo. Perdeu com o Benfica no Dragão e foi incapaz de vencer na Luz, num jogo em que estava obrigado a fazê-lo. Caiu fora da Taça aos pés do Sporting, em casa, e voltou a perder em Londres, quando tinha de ganhar.
 
Lopetegui, naquela fusão de ideias que não são verdadeiramente dele, é incapaz de um entusiasmo, de uma inspiração, de um lampejo de génio ou de um tiro certeiro.
 
Por isso vale a pena voltar ao início e repetir, como faziam os adeptos do Manchester United...
 
Hombre: se tivesses sido tu a dar o tiro, o Kennedy ainda estava vivo.
 
Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias