[artigo originalmente publicado a 05-04-2018 23:47]

Há coisas das quais não se deve prescindir sem morrer primeiro. A emoção de uma porta a abrir, por exemplo. O frenesim de uma paixão. O entusiasmo de um copo cheio.

São coisas que faz sentido levar até ao fim.

Mas acima de tudo a fé. Há poucas palavras na língua portuguesa que nos encham tanto a alma quanto a fé. Fé no sentido de esperança. De crer. De acreditar.

Belief, como dizem os ingleses.

A fé vicia-nos o coração, enche-nos de ilusão, faz-nos acreditar. E não há nada melhor do que acreditar: numa pessoa, numa palavra, num fim. Acreditar que vai acontecer.

Nesse sentido, o que fez o Liverpool na quarta-feira foi um balsamo para o espírito. Um sopro de valentia. Fez-nos acreditar que a Liga dos Campeões continua a valer a pena.

A Champions, vale a pena lembrar, tornou-se propriedade de três ou quatro clubes: cada vez mais acentua a diferença entre os ricos e os pobres, tornando os milionários um bocadinho mais milionários a cada ano que passa. Por isso, verdadeiramente, é vista por muita gente, mas vivida por uma elite cada vez mais curta.

No fundo estamos todos a bater palmas ao espetáculo que são equipas como o Real Madrid, o Barcelona, o Bayern, o Manchester City, eventualmente o PSG um dia destes.

Batemos-lhes palmas, abrimos a boca de espanto, admirámos as maravilhas que nos proporcionam, sabendo que aplaudir é tudo o que podemos fazer: porque cada vez mais a superioridade destes grandes clubes se acentua e retira emoção à própria competição.

No fundo a Liga dos Campeões só começa verdadeiramente nas meias-finais: quando os menos favoritos já foram afastados e os favorecidos se digladiam entre eles.

Até porque é isso que a UEFA deseja verdadeiramente: grandes espetáculos, com os melhores jogadores. Mais espectadores, mais audiência, mais valor para a marca.

E a essência do futebol, onde fica? Provavelmente nos intervalos entre a publicidade.

Por isso, lá está, o que fez o Liverpool foi um sopro de valentia. Uma prova de coragem. Uma demonstração de que vale a pena acreditar que a Liga dos Campeões pode continuar a surpreender-nos, de que podemos continuar a vivê-las mais do que apenas vê-la.

É certo que Real Madrid, Barcelona e Bayern não deram hipóteses, mas enquanto houver um Liverpool, como uma Juventus ou um At. Madrid nas épocas anteriores, vai valer a pena continuar a acreditar no futebol. Como sempre fizemos, aliás.

A forma como a equipa de Jurgen Klopp atropelou o sensacional Manchester City, que terminou sem nenhum remate enquadrado com a baliza, recorde-se, foi um raio de esperança para a democracia no futebol: os menos favoritos podem continuar a sonhar.

A Liga dos Campeões, ainda que só um bocadinho, ainda é de todos: uma competição liberal, progressista e igualitária. Um espaço democrático como sempre foi, insiste-se.

Não concorda que vale a pena ter fé?

Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, editor do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias