Quando em 2003 foi encerrado um longo processo negocial com a renovação de Del Piero, a Juventus não o fez por menos: anunciou o acordo em duas páginas de publicidade na imprensa italiana.
 
O novo contrato transformava o avançado no jogador mais bem pago do clube e no terceiro mais bem pago do futebol italiano.

Mas isso era coisa pouca, mesmo para um atleta que aos 28 anos já entrava na curva descendente da carreira.

Por isso a Juventus comprou quatro páginas de publicidade, duas no Gazzetta dela Sport e outra duas no La Stampa. O anúncio era sempre igual, claro: na primeira página as cores da equipa com o número 10, na segunda a frase Um cavalheiro não abandona a sua senhora.

A Vecchia Signora, está bom de ver.

Nessa altura a renovação de Del Piero deixou de ser apenas uma notícia: tornou-se um veículo de propaganda. O avançado já começava a distanciar-se do título de jogador mais desequilibrador da equipa, mas mantinha intactos o carisma e o fascínio.

O que a Juventus estava a anunciar ao mundo, com toda a pompa e circunstância, em duas páginas pagas para isso mesmo, é que era um clube com memória: um clube que não desprezava a força dos afetos neste mundo do futebol.

Nesta altura de mercado, de loucura de compras, vendas e empréstimos, foi impossível para mim não me lembrar desta história.

Dizem que o futebol se tornou um negócio, mas acho que é um eufemismo: o futebol é uma central de negócios. Tudo se compra e tudo se vende. 

Tudo menos a paixão, mas já lá vamos.

Interessa para já destacar que no futebol atual nada é feito sem uma motivação financeira por detrás. As camisolas mudam todos os anos, todas elas, as duas ou três oficiais de cada clube: sem pensar que se está a pedir que o adepto faça um investimento que dentro de um ano está obsoleto.

Os jogos particulares, os estágios, as digressões respeitam apenas um critério: económico.

Os jogadores, por fim, estão sempre de malas feitas: sempre prontos para sair, sempre desejosos de fazer um contrato melhor. E os clubes, claro, sempre preparados para vender. Pelo preço certo, tudo se faz: não há inegociáveis.

Interessa movimentar cifrões: dinheiro, dinheiro, dinheiro.

Dirá o leitor, e eu concordo, que é sinal dos tempos: não há outra forma de o fazer. Mas como tudo, também no mercado de transferências as coisas devem ser pela medida certa.

O que faz o futebol ainda são os adeptos e o que faz os adeptos ainda é a emoção: o amor por um clube, por uma ideia, por um jogador. 

Este é um jogo de afetos e, como todos os jogos de afetos, começa em cima de conceitos nobres: um herói, um entusiasmo, um amor.

Um ídolo.

Tocar em ídolos é tocar provavelmente no ponto mais sensível do adeptos. Por isso, nesta voragem de comprar e vender tudo, convém lembrar que há coisas, até no futebol moderno, que não têm preço.

A paixão não se negoceia: e um cavalheiro não abandona a sua senhora.
 
Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias